Elon Musk e outros quatro multimilionários já perderam mais de metade do PIB de Portugal ao lado de Trump. Agora só eles o podem travar
Depois da eleição de Trump, ganharam muito. Depois da sua tomada de posse, começaram a perder. A cada vez que o presidente norte-americano fala, adensando a guerra comercial, há retaliação. Mesmo acumulando perdas, há um horizonte que pode alimentar a sua inação: se a Europa ceder a Trump, os ganhos poderão ser tremendamente maiores
Imagine que Portugal perdia mais de metade da riqueza que produz todos os anos. Foi exatamente uma perda nessa escala que tiveram cinco multimilionários que marcaram presença na tomada de posse de Donald Trump. Apesar dos ganhos iniciais por estarem associados ao novo presidente dos Estados Unidos da América, a verdade é que nas últimas semanas têm acumulado perdas.
Ultrapassa já os 209 mil milhões de dólares – o equivalente a 192 mil milhões de euros, um valor que representa 67% da riqueza que é produzida em Portugal todos os anos – o valor de perdas acumuladas por Elon Musk, Jeff Bezos, Sergey Brin, Mark Zuckerberg e Bernard Arnault, segundo contas da Bloomberg Billionaires Index.
Resultado de uma política protecionista e de uma guerra comercial, de efeitos imprevíveis, que, segundo os economistas, politólogos e especialistas em relações internacionais ouvidos pela CNN Portugal, podem resultar num “travão” no apoio que estes multimilionários têm dado a Trump.
Mas todos concordam que essa inversão não deverá ser uma realidade no curto prazo. Por dois motivos: a grande capacidade das gigantes tecnológicas de absorver as perdas e a sua esperança de que, da guerra comercial, possa resultar para elas um contexto mais favorável, que fará disparar o negócio.
Elon Musk e a “tentativa desesperada” de contrariar os “danos reputacionais”
“Trump goza de um estado de graça, mas isto pode ser o início do seu desgaste”, aponta José Palmeira, professor de ciência política na Universidade do Minho.
Nesta fase, o multimilionário que mais perdeu é, precisamente, aquele que mais tem estado colado a Trump: Elon Musk, que até tem um cargo na administração norte-americana, à frente do recém-criado Departamento de Eficiência Governamental (DOGE). O dono da Tesla viu o valor das ações praticamente duplicar depois das eleições. Contudo, o cenário inverteu-se, com perdas na ordem dos 148 mil milhões de dólares depois da tomada de posse.
As vendas estão a cair em vários países – sobretudo na Europa, onde se critica o seu alinhamento à extrema-direita, evidente nas últimas eleições alemãs. E há quem ponha autocolantes nos carros que já tinha comprado para vincar como se afasta dos atuais ideais do empresário.
Perante estes “danos reputacionais”, Trump acabou a promover um Tesla na Casa Branca. “É uma tentativa desesperada de contrariar as coisas”, resume Orlando Samões, especialista em relações internacionais do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa. “As pessoas tendem a penalizar essas figuras [multimilionários] por considerarem excessiva a aproximação ao poder”.
Elon Musk com Donald Trump (Jim Watson/AFP/Getty Images)
Haverá “ponto de saturação”
Mas poderão as perdas sentidas pelos multimilionários próximos de Trump funcionar como o travão a uma política económica que muitos definem como uma loucura? Os analistas ouvidos pela CNN Portugal admitem que sim.
“Acredito que estas pessoas, quando virem os lucros das suas empresas a cair, vão chamar à atenção o próprio presidente”, reage Ricardo Ferraz, economista e professor no ISEG e na Universidade Lusófona.
“Pode levar a um ponto de saturação, a um descontentamento desses setores, levando-os a afastar-se [da associação a Trump e da sua política]”, junta José Palmeira.
“Podem vir a aconselhá-lo de outra maneira”, resume Orlando Samões, perante o facto de se terem perdido as vantagens esperadas com a aproximação ao poder.
Um horizonte que leva à inação
A verdadeira dúvida é perceber se e quando acontecerá o tal “ponto de saturação”. Para quem está habituado a olhar para a economia e para a política internacional, não é algo que devamos esperar em breve.
“Estes multimilionários já deviam estar à espera de que a guerra comercial trouxesse perdas. Não são assim tão revelantes se se materializarem durante um, dois, três anos”, começa por dizer o economista Filipe Grilo, docente da Porto Business School.
Há no horizonte, continua, consequências da guerra comercial que poderão trazer benefícios bem maiores. “A política de Trump será pôr a Europa a negociar outro tipo de condições”. Quais? Reduzir a regulação e a carga fiscal que têm ensombrado a presença das tecnológicas americanas no Velho Continente.
“Do ponto de vista dos multimilionários, estão a pensar mais nos efeitos a longo prazo. Esperam que, no final da guerra comercial, acabem a ganhar coisas que não estão ainda sequer a ser negociadas”, remata Filipe Grilo.
Mark Zuckerberg, Jeff Bezos, Sundar Pichai e Elon Musk todos juntos numa fotografia (Julia Demaree Nikhinson, Pool/AP)
O problema são os outros
Elon Musk, dono da Tesla, perdeu 148 mil milhões de dólares. Jeff Bezzos, da Amazon, 29 mil milhões. Sergey Brin, antigo presidente da Alphabet, dona da Google, outros 22 mil milhões. Para Mark Zuckerberg, dono da Meta, que controla o Facebook e o Instagram, foram cinco mil milhões. O mesmo valor que perdeu Bernard Arnault, dono da LVMH, que detém as marcas Louis Vuitton ou Dior. Estiveram todos na tomada de posse de Donald Trump. E estarão a colher os frutos dessa “proteção” que procuraram junto do poder.
Para Orlando Samões, estas dinâmicas no mercado “são um bom sinal”, de que ele continua a funcionar de forma regular, “com os valores das empresas a flutuar de acordo com os interesses das pessoas”.
“Quem está preocupado com a desregulação no mercado de ações é mesmo o americano comum, que investe muito mais do que o português comum. Vai sentir que as suas poupanças estão em risco”, aponta Filipe Grilo.
A preocupação dos especialistas ouvidos pela CNN Portugal está em todas as outras empresas que vão sentir os impactos da guerra comercial – uma vez que estão dependentes de matérias-primas estrangeiras onde se vão aplicar tarifas – e, em última instância, no consumidor comum.
“Estes multimilionários estão a pagar a fatura, como todas as empresas americanas que importem matérias-primas, porque vão acabar por sofrer da resposta que os outros países vão dar aos EUA”, aponta Ricardo Ferraz.
“E os próprios trabalhadores, porque se as empresas são afetadas, isso sente-se nos níveis de emprego, nos salários, na perda de poder de compra perante produtos que ficaram mais caros com essas tarifas e com a inflação”, junta José Palmeira.
https://cnnportugal.iol.pt/donald-trump/elon-musk/elon-musk-e-outros-quatro-multimilionarios-ja-perderam-mais-de-metade-do-pib-de-portugal-ao-lado-de-trump-agora-so-eles-o-podem-travar/20250314/67d48dffd34ef72ee443772c
Wilson Ledo
Aviso: o que se está a passar no Mar Vermelho "pode encarecer os combustíveis e alimentos em Portugal"
Duas das principais transportadoras marítimas suspenderam as suas atividades no Mar Vermelho. Motivo: ataques dos rebeldes Houthis do Iémen
Duas das principais transportadoras marítimas, a dinamarquesa Maersk e a alemã Hapag-Lloyd, vão interromper todas as viagens através do Mar Vermelho após uma série de ataques a navios por parte dos rebeldes Houthis do Iémen. E isso pode trazer consequências no abastecimento de bens e no preço dos mesmos.
“Se já era difícil circular no Mar Vermelho, isto vai dificultar muito as escolhas daqui para a frente. as rotas do norte e Atlântico sul são muito longas e têm custos maiores, o que pode encarecer os produtos, como combustíveis e alimentos, mesmo aqui em Portugal”, alerta Tiago André Lopes, especialista em Relações Internacionais.
O Mar Vermelho é uma das rotas mais importantes do mundo para o transporte de petróleo e combustível, assim como de bens alimentares e de consumo. E, no caso da Maersk, que “transporta um pouco de tudo para todos os destinos, todos os bens podem ser interrompidos daqui para frente”, diz o comentador da CNN Portugal. “Isto tem impacto na tentativa de escoar produtos.”
A Maersk anunciou a suspensão do tráfego de navios na rota do Mar Vermelho após dois ataques armados dos islamitas Houthis do Iémen, um dos quais na quinta-feira, em que o navio Maersk Gibraltar foi alvo de um míssil enquanto viajava de Salalah, Omã, para Jeddah, na Arábia Saudita, pelo estreito de Bab al-Mandab. Um outro ataque decorreu esta sexta-feira, lê-se na Reuters. Na quarta-feira, dois mísseis disparados a partir de território controlado pelos Houthis atingiram um navio-tanque comercial de fabrico indiano carregado com combustível perto deste mesmo estreito. Também a Hapag-Lloyd, que transporta, por exemplo, café para todo o mundo, viu um dos navios “sofrer danos físicos devido a um ataque aéreo” ao norte da cidade costeira iemenita de al-Makha (Mocha) – posto isso, decidiu suspender até segunda-feira a sua atividade nestas águas, diz a Al Jazeera.
“Estas empresas querem suspender a passagem [no Mar Vermelho], contornar essas águas mais arriscadas, indo por uma rota mais longa e mais segura que passe pelo Cabo da Boa Esperança. Mas se isto ocorrer em grande escala, aumenta o custo de transporte o custo dos bens transportados e alguém vai ter de pagar isso”, adianta o economista Ricardo Ferraz, também investigador no ISEG – Instituto Superior de Economia e Gestão – ISEG e professor da Universidade Lusófona.
O estreito de Bab al-Mandab é um canal de cerca de 30 quilómetros conhecido por ser dos mais complicados e perigosos de navegar. É também dos mais importantes, uma vez que é a rota pela qual os navios podem chegar ao Canal de Suez vindos do sul. Este estreito situa-se entre o Iémen, na Península Arábica, e Djibuti e Eritreia, na costa africana, e, como se lê na BBC, cerca de 17 mil navios e 10% do comércio global passam por lá todos os anos. Mas não só: cerca de 10% de todo o petróleo comercializado no mar passa pelo estreito.
Mão do Irão para pressionar cessar-fogo?
O grupo Houthis está a atacar vários navios e contentores de transporte que circulam no Mar Vermelho desde o início do conflito entre o Hamas e Israel, mas esta semana essas ações afetaram os navios da Maersk que se dirigiam para território israelita. Aliás, o grupo rebelde tem atacado navios independentemente da nacionalidade ou dos países de origem, o que, para o economista Ricardo Ferraz, é um sinal de que estes ataques dos Houthis têm mão do Irão, que com isto pretende “causar danos na economia global” e “pressionar” os países a exigir a Israel um cessar-fogo.
“A inflação tem vindo a ser controlada. como sabemos, já tivemos preços bastante elevados na sequência da pandemia e da guerra da Ucrânia e da Rússia, mas podemos vir a assistir agora, esperemos que não, a um efeito na inflação”, adverte o economista, que diz que resta “saber qual a dimensão e duração” deste impacto nos vários países.
Embora a empresa alemã Maersk tenha revelado que os navios não foram atingidos, a decisão da suspensão deve-se à falta de segurança. Para Tiago André Lopes, esta “insegurança” pode “certamente” levar outras empresas a tomar a mesma decisão e a iniciar pausas no tráfego e é um sinal claro de “fragilidade e dificuldade” no patrulhamento dos mares.
“Há um sinal de fragilidade e dificuldade de patrulhar os mares, dá a imagem de que não há um patrulhamento dos mares. E fica a questão de quem podia fazer esse patrulhamento, mas não é uma resposta fácil de responder. O nosso pensamento é sempre os Estados Unidos, mas não têm jurisdição nesta área do globo. Podia-se pedir à ONU mas teria de desbloquear o impasse. O mais viável seria uma força conjunta multinacional”, diz, embora reconheça que qualquer cenário é complexo e difícil de aplicar.
Um patrulhamento mais apertado podia implicar sanções para os atacantes, mas os Houthis, por não serem um Estado, estão imunes a esses castigos, o que para Tiago André Lopes aumenta a insegurança sentida por quem lá navega. “Como não são reconhecidos como uma força estatal, há uma série de normas que se aplicam a Estados e que não se aplicam aos Houthis. Há sanções que não lhes afetam. É mais fácil bloquear um estado do que um grupo de rebeldes.”
https://cnnportugal.iol.pt/guerra/guerra-israel-hamas/aviso-o-que-se-esta-a-passar-no-mar-vermelho-pode-encarecer-os-combustiveis-e-alimentos-em-portugal/20231215/657cb24bd34e371fc0bb037e
Daniela Costa Teixeira
Estão são as competências mais valorizadas pelos empregadores portugueses
Estudo “Competências para o futuro do trabalho em Portugal” ouviu 125 organizações para concluir quais são as competências mais valorizadas
A capacidade de trabalhar com pessoas, lidar com a pressão e contrariedades e adaptar-se a mudanças são três das competências mais valorizadas pelos empregadores portugueses, tanto no presente, como olhando para o futuro. Esta conclusão consta do estudo “Competências para o futuro do trabalho em Portugal”, que foi coordenado pela SHL e contou com a participação do ISEG e da VdA.
“Este projeto permitir perceber que as competências profissionais que as organizações hoje valorizam, avaliam e desenvolvem têm alguma sobreposição com as competências que antecipam como importantes para o futuro. Em termos de sobreposição, destacam-se [a capacidade de] trabalhar com pessoas, o lidar com a pressão e a adaptação à mudança. Ou seja, gerir as emoções, gerir a mudança e trabalhar em equipa são e continuarão a ser fundamentais”, sublinha Susana Almeida Lopes, CEO da SHL Portugal, em declarações ao ECO.
Em concreto, no que se refere ao presente, as 125 organizações ouvidas para a realização deste estudo identificar a capacidade de trabalhar com pessoas como competência mais valorizada, seguindo-se o lidar com a pressão, a adaptação à mudança e, depois, a completar o top cinco, o liderar e supervisionar e o planear e organizar.
Já quanto ao futuro, essas organizações portugueses escolhem a adaptação à mudança como competência-chave, seguindo-se, depois, o trabalho em equipa, o lidar com a pressão, mas também o relacionar-se em rede e o criar e inovar.
Ou seja, ainda que o pódio se mantenha ocupado pelas mesmas três competências, de olhos no presente ou no futuro, as características elogiadas que merecem os lugares imediatamente seguintes diferem.
Ou seja, explica Susana Almeida Lopes: “Onde temos diferença é nas competências de trabalhar em rede e de inovação. O futuro irá exigir soluções inovadoras e abordagens diferentes às situações, bem como trabalho em rede, dentro e fora da organização”.
No entanto, o casamento entre essas competências valorizadas e aquelas que se encontram efetivamente no mercado de trabalho pode ser difícil. “Em particular, a dimensão da inovação é uma problemática, bem como o trabalho em rede”, destaca a CEO da SHL Portugal.
Este estudo, importa notar, ouviu não só empregadores, mas também mais de 2.000 profissionais. E, com base na avaliação desses trabalhadores, concluiu que as duas competências referidas por Susana Almeida Lopes estão entre aquelas com as quais os trabalhadores mais têm dificuldades. Aliás, criar e inovar é a mais selecionada pelos inquiridos como uma área a melhorar [ver gráfico abaixo].
“Ou seja, estas duas competências que são salientadas para o futuro são competências com que muitos profissionais se debatem. Inovação é mesmo a competência com os resultados mais baixos de todas”, destaca a responsável.
E atira que estas são competências que “não têm sido alvo de desenvolvimento durante o ensino, que muitas vezes ainda privilegia a memorização e a repetição em detrimento da inovação. E o trabalho individualizado ou pelo menos dentro de portas, com pouca largura para incentivar o trabalho em redes de parceria”.
Dentro das empresas, o problema repete-se, avisa. A gestão “decide o rumo” e as parcerias são a exceção, desmotivando o desenvolvimento das competências de inovação.
Além disso, há também a realçar que as competências de gestão de projeto e de liderança estão também entre as competências mais fracas. “Liderar as pessoas num contexto de transformação e ser capaz de gerir os recursos para a rentabilidade e sustentabilidade fazem a diferença para o sucesso”, salienta Susana Almeida Lopes.
As boas notícias são que o trabalhar com pessoas, lidar com pressão e adaptar-se às mudanças estão entre as competências com menos necessidade de melhorias, isto é, são áreas em que os profissionais já se consideram preparados.
Crise política pode prejudicar formação dos trabalhadores
Num mundo de trabalho em transformação, a formação dos recursos humanos tem conquistado cada vez mais relevo. Neste momento, segundo a CEO da SHL Portugal, o “foco maior” está “em competências de análise de dados, literacia digital, inovação, colaboração e gestão de projeto”. “Mas o nosso país tem várias velocidades”, alerta.
Enquanto há empresas que já pensam na requalificação dos seus trabalhadores para novas funções, noutras isso ainda não acontece. E há que ter também “a consciência de que não vai ser possível as empresas fazerem todo o esforço de requalificação per si”, reconhece Susana Almeida Lopes.
Esta responsável defende, assim, que vai ser necessária iniciativa dos próprios colaboradores e estratégias do país para esta requalificação, nomeadamente através da criação de incentivos fiscais para investimentos na formação direcionada para a requalificação.
Por outro lado, Paulo Lopes Henriques, professor catedrático no ISEG, relata em declarações ao ECO que a capacitação das pessoas tende a ser encarada com um “custo evitável”, numa realidade onde “a perceção competitiva é baixa”. Ou seja, essa é uma visão que não é generalizada no mercado de trabalho português, mas persiste em alguns setores.
“Portugal, um país com a geração mais bem qualificada de sempre não devia sofrer desta doença. No entanto, o desempenho competitivo das organizações em alguns setores do mercado levanta a suspeita que muito ainda há a fazer para mudar a forma como a gestão perceciona o papel dos recursos humanos e da sua capacitação como fator decisivo no sucesso competitivo da organização”, defende.
Já Américo Oliveira Fragoso, sócio de Laboral na VdA, acrescenta que a crise política em que o país está mergulhado pode afetar este esforço de formação dos trabalhadores. “As organizações não são alheias ao contexto político e económico em que se inserem, pelo que a existência de uma crise pode, entre outras coisas, potencialmente afetar o processo de capacitação das pessoas”, sublinha, em respostas enviadas ao ECO.
Com a antecipação das eleições legislativas, havendo quiçá atrasos no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), os orçamento de formação poderão, então, encolher, detalha o advogado.
ECO – Parceiro CNN Portugal , Isabel Patrício
Peritos recomendam melhor referenciação de doentes para reduzir tempos de espera
Esta quarta-feira vai ser apresentado um estudo sobre a sustentabilidade do sistema de saúde. Documento tem 43 recomendações
Um estudo sobre a sustentabilidade do sistema de saúde, que será apresentado esta quarta-feira, defende que é preciso melhorar a referenciação de doentes aos cuidados hospitalares para reduzir tempos de espera e melhorar os cuidados prestados.
Num conjunto de mais de 40 recomendações elaboradas por mais de 30 peritos de várias áreas da saúde, o documento, a que a Lusa teve acesso, refere que, além de reduzir tempos de espera, o desenvolvimento de protocolos e mecanismos para a referenciação de doentes melhoraria os cuidados prestados e a satisfação para os doentes.
Os peritos lembram igualmente que investigações anteriores mostraram que os médicos de medicina geral e familiar “nem sempre se sentem confiantes relativamente aos exames a prescrever aos seus doentes antes de os referenciarem para consultas hospitalares de especialidade”.
“A mesma investigação demonstrou igualmente que os médicos especialistas consideram que nem sempre os doentes que recebem trazem já feitos os exames necessários para uma primeira consulta”, acrescentam.
O trabalho foi desenvolvido no âmbito da Parceria para a Sustentabilidade e Resiliência dos Sistemas de Saúde (PHSSR), uma colaboração global criada em 2020 pela London School of Economics and Political Science, pelo Fórum Económico Mundial e pela AstraZeneca.
Em Portugal, o diagnóstico à sustentabilidade e resiliência do sistema de saúde foi coordenado por Mónica Oliveira, do Instituto Superior Técnico, e Aida Isabel Tavares, do Instituto Superior de Economia e Gestão, da Universidade de Lisboa.
As 43 recomendações estão divididas em várias áreas: governança, financiamento, recursos humanos, medicamentos e outras tecnologias da saúde, prevenção e cuidados de saúde, saúde populacional e sustentabilidade ambiental.
Em declarações à Lusa, Mónica Oliveira sublinhou, na área da governança, a mensagem da necessidade de “promover autonomia e responsabilidade das administrações das instituições de saúde, para poderem tomar decisões e não dependerem tanto de outros interlocutores do sistema de saúde”.
Na área da governança, os peritos insistem no fim das cativações na área da Saúde por parte do Ministério das Finanças, considerando que “afetam a autonomia e a capacidade de gestão das administrações hospitalares”.
A este nível, defendem que o Estado deverá confiar mais nos gestores públicos, com “consequente responsabilização”.
Dizem igualmente que é preciso “capacitar uma estrutura que lidere a integração da disponibilização dos cuidados prestados aos vários níveis e pelos diferentes setores (público, privado e social)”, lembrando que a Direção executiva do SNS – recentemente criada – apenas assegura a coordenação da resposta no serviço público.
“Há entidades do setor privado e social que prestam cuidados de saúde, alguns dos quais contratualizados/convencionados com o SNS”, sublinham os peritos, defendendo a necessidade de uma “supervisão ao nível mais elevado”, para conseguir um sistema de saúde “mais eficiente, evitando lacunas e duplicações”.
Em declarações à Lusa, a coordenadora do estudo sublinhou a importância da continuidade na prestação dos cuidados de saúde, insistindo na necessidade de coordenação: “temos sistemas que às vezes se complementam, mas às vezes competem”.
“Ficou muito claro que tem de haver um planeamento para se perceber como é o papel do público, do privado e do setor social”, acrescentou.
Orçamentos plurianuais no SNS para mitigar “subfinanciamento crónico”
Os autores sugerem também a adoção de orçamentos plurianuais no Serviço Nacional de Saúde para mitigar o “subfinanciamento crónico”.
“Desta forma, existiria estabilidade financeira e continuidade dos investimentos, independentemente dos ciclos políticos ou dos mandatos dos órgãos de gestão”, defendem os peritos, na lista de mais de 40 recomendações elaboradas por mais de 30 peritos de várias áreas da saúde.
Sugerem igualmente a revisão do sistema de contratualização e financiamento das unidades de prestação de cuidados dos setores público, privado e social, sublinhando a necessidade de rever os indicadores utilizados, “proporcionando autonomia e responsabilização dos gestores”, assim como de “premiar aquelas unidades de cuidados contratualizadas que têm melhor desempenho nos resultados em saúde”.
“Deve-se privilegiar os indicadores de resultado em detrimento dos indicadores de processo”, sublinha o grupo de peritos, que inclui nomes como o do antigo ministro da Saúde Adalberto Campos Fernandes, Maria do Céu Machado, que foi Alta Comissária para a Saúde e dirigiu o Infarmed entre 2017 e 2019, ou o antigo diretor-geral da Saúde Constantino Sakellarides.
Os peritos recomendam ainda o fim do atraso dos pagamentos aos fornecedores do SNS, lembrando que Portugal “está na cauda da Europa, apresentando prazos médios de cerca de 250 dias”.
“Recomenda-se uma abordagem similar à adotada pelo Governo de Espanha em 2016, ou seja, a criação de um plano efetivo de pagamento a fornecedores que resolveu em definitivo as dividas hospitalares”, sugerem.
Na área dos recursos humanos, sugerem um melhor planeamento dos recursos humanos no setor da saúde, sublinhando a necessidade de concretizar o Inventário Nacional de Profissionais de Saúde e, com este instrumento, “criar uma unidade que se dedique exclusivamente ao planeamento e valorização do capital humano do SNS”.
Recomendam igualmente melhores condições de trabalho para os profissionais de saúde, dando exemplos de aspetos a melhorar para conseguir fixar recursos humanos: alteração do regime horário, aumento da flexibilidade, remuneração por objetivos e desempenho, tempo dedicado a investigação e carreira académica e melhoria das condições do local de trabalho.
Aumentar o reconhecimento e integrar nas equipas de profissionais de saúde recursos humanos, para além dos médicos e enfermeiros, farmacêuticos, técnicos de saúde e diagnóstico e secretários clínicos é outra das sugestões.
“As equipas de saúde são compostas de médicos e enfermeiros, mas também outros profissionais da área da saúde. É necessário mapear estes profissionais de saúde e as suas competências/habilitações de forma a identificar a que nível e por quem podem ser prestados os vários cuidados, da forma mais eficiente e segura”, recomendam.
Na área dos medicamentos, os peritos consideram que o sistema de comparticipação de medicamentos tem “muitas adições e exceções, sob a forma de deliberações, despachos e portarias”, resultando num “sistema fragmentado, que não promove a equidade de acesso”, de que é exemplo os gastos dos portugueses com medicamentos.
Além de recomendarem a revisão do sistema de comparticipação, os peritos sugerem ainda que se deve melhorar o acesso equitativo a medicamentos inovadores, considerando que se deve “evoluir para um quadro regulamentar mais eficiente”.
“O desenvolvimento e acesso à inovação tem-se revelado um processo demorado e burocrático e é necessário dar resposta às situações de grande desigualdade no acesso a novos medicamentos na Europa”, recordam.
https://cnnportugal.iol.pt/estudo/saude/peritos-recomendam-melhor-referenciacao-de-doentes-para-reduzir-tempos-de-espera/20221207/638fdb030cf2254fb286cae8
Agência Lusa , PP