Augusto Mateus: Um economista que não se cansa de descobrir mundos
06-03-2024
Fala francês, italiano, espanhol e inglês como português e apaixonou-se pelas políticas económicas ainda adolescente. Foi fundador do MES mas nunca se deixou atrair pela política, porque gosta mais de fazer do que de aparecer. Continua a fazer estudos da economia real, a ler e a descobrir destinos e música que o encantam. Sportinguista convicto e autor do Plano Mateus, conta a ignorância e a tentativa de enganar o próximo entre as suas maiores irritações. E não prescinde da sua independência.
Nos tempos da Augusto Mateus & Associados, almoçava frequentemente nO Madeirense e por isso é com gosto que volta a ver o dono da casa, Manuel Fernandes, que já lhe deu um remédio caseiro para a tosse – poncha quente – persistente, piorada pela recente visita ao Estádio José de Alvalade. Nascido sportinguista – o pai, gestor e primeiro CEO da Sonape de Bullosa e Queiroz Pereira (depois feita Galp), foi vice-presidente do clube e organizou a campanha do Mundial de 1966, o que permitiu a Augusto almoçar com Pelé, aos 6 anos – mas criando uma família de benfiquistas, só conseguiu há meia dúzia de anos cativar um dos quatro netos, Téo, de 18 anos, e juntos, com a Gamebox, não perdem um jogo em casa. É um dos momentos que lhe dão prazer, como o que tira da ajuda que dá, em conjunto com a mulher, Maria do Carmo, às filhas Joana e Maria na gestão das atividades extracurriculares dos garotos, com idades entre os 7 e os 18 anos.
Também tira prazer das viagens que faz, da descoberta. Compra sempre “um livro bonito” das cidades que visita e assim conhece sítios incríveis, como o hotel de Argel que parece saído dos seus livros de Tintim. Mas também pergunta a locais comuns quem gostam de ouvir, tendo dessa forma encontrado talentos como Souad Massi. Desfruta das experiências que enriquecem, como ver uma ópera em Itália, onde o público se comporta como no futebol, apupando, exaltando-se e emocionando-se e até atirando aviões das galerias. “E sou capaz de comprar um livro de 200 euros, que não gasto numa camisa”, confessa.
Sentamo-nos à mesa e pega a conversa política, com Augusto Mateus a recordar que, no seu tempo de governante, levou só 15 dias a perceber que a maior oposição que tinha era a do próprio PS, em cujo governo foi ministro da Economia (de Guterres). Não se ri, fala a sério – num governo de socialistas, as decisões de um independente nem sempre estavam de acordo com o que convinha a quem militava no partido. Mas isso nunca o fez perder iniciativa e independência.
Pedimos bifes, de vaca e de atum, e o economista que podia ter sido médico ou arquiteto conta-me por que é fluente em cinco línguas: francês, português, italiano, inglês e espanhol. Por esta ordem. “Estudei sempre no Liceu Francês, aprendi as duas línguas em simultâneo e isso traz agilidade”, diz-me. O seu interesse precoce pela economia, nomeadamente pela escola italiana, encaminhou-o para esse novo idioma. E no início dos anos 80, juntou-se a um projeto que o levou ao espanhol: “Era a melhor revista de pensamento ibero-americano, iniciativa do Instituto de Cooperação Ibero-Americana e da CEPAL, da ONU. Durou até 1992 e eu era o único português, o que me deu vantagem porque falava vários idiomas e ali me cruzei com os maiores vultos da economia.” A iniciativa contava com nomes como Fernando Henrique Cardoso ou o argentino Raúl Prebisch e fê-lo viajar pela América Latina, destacado entre os grandes nomes, trazendo daí a coroa de glória que foi ter 31 anos e Prebisch parar para o ouvir e, no fim congratulá-lo pela prestação.
Reservado, mas excelente contador de histórias – daquelas pessoas com quem dá gosto sentarmo-nos com tempo, e com quem aprendemos -, Augusto Mateus não adora falar de si próprio. Mas vai contando uma infância feliz pela Praça Pasteur, em Lisboa, e até como, aos quatro anos, rasteirado pelo irmão, entrou de cadeira de ferro pela montra da Mexicana adentro, numa das proezas que recorda com humor.
Não gosta de rotinas ou cantinas, aborrece-se com a repetição, prefere ir conhecendo coisas novas, enriquecendo o espírito. Descreve-se como uma pessoa “de banda larga”, que gosta mesmo é de História: “Só quem vem de longe vai longe, odeio quem só têm presente”, diz-me. Mas essa via profissional teria pouco impacto na sociedade e, aos 16 anos, esse já era um objetivo traçado, poder transformar o mundo. “Costumo dizer que há quem goste de lagosta, há quem só goste de lagosta se souber que pode comê-la mas outros não, e aqueles, onde me incluo, que só gostam de lagosta sabendo que todos podem tê-la no prato.”
Por isso, nas décadas em que ensinou, sempre divulgou tudo o que descobria com qualidade e tentou ajudar os alunos, assim se mostrassem interessados em aprender – dava explicações nos furos, no bar do ISEG, mas também pediu, por exemplo, aos alunos que permitissem que um colega guineense no programa de cooperação, ótimo nas aulas mas com resultado péssimo no exame por ser fraco a português, tivesse mais tempo nas provas. E optou sempre por não estar em dedicação exclusiva à academia, porque “não se pode aprender a nadar fora de água”: para ensinar economia, tinha de estar na economia real – o que fez, fosse no centro de investigação que criou na faculdade ou na consultora a que deu nome, centrada em ajudar as empresas a ter estratégia, oportunidades e melhores resultados, e que vendeu à EY em 2017 como a maior do país, com 30 profissionais disputados ao Banco de Portugal (e com salários desse patamar).
Comprovava o êxito na sua pretensão de ter uma profissão útil, definida ainda adolescente, quando preteriu a Arquitetura – demasiado individualista – e a Medicina – com risco a mais e capacidade de definir o êxito a menos – em favor da Economia.
Leia o artigo na íntegra na edição do NOVO que está, este sábado, dia 2 de março, nas bancas
Joana Petiz