Vistos gold inflacionaram os preços das casas, demonstra investigação
28-03-2024
Raquel Albuquerque
Jornalista
Estudo identifica efeito dos vistos gold nos imóveis mais caros. Após entrada em vigor do programa, houve um aumento de 60% de casas vendidas por 500 mil euros
Os vistos gold foram um dos fatores que contribuíram para aumentar os preços das casas em Portugal, conclui um artigo científico publicado pelo Institute of Labor Economics, na Alemanha, e divulgado pelo Observatório Fiscal Europeu. Depois da entrada em vigor deste regime, que permitia dar vistos de residência a quem comprasse uma casa por um mínimo de EUR500 mil, e face ao período anterior, houve um aumento de 60% de imóveis vendidos precisamente por esse valor, sugerindo a existência de uma distorção de preços para que as casas fossem abrangidas pelo programa.
“Concluímos, em primeiro lugar, que os vistos gold afetaram os preços das casas transacionadas na proximidade de meio milhão de euros, não só por terem levado a um aumento da procura por parte de estrangeiros de fora da União Europeia, que beneficiaram do visto, mas também porque houve uma sobrerreação dos consumidores e vendedores portugueses”, explica João Pereira dos Santos, um dos autores do artigo, investigador no Queen Mary University of London e professor no ISEG.
Além de os investidores estrangeiros terem acabado por pagar mais pelas casas do que teriam pago antes do programa, os compradores portugueses foram também arrastados pela alteração. “Apesar de não terem benefício direto por não precisarem do visto, incorporaram na sua decisão de compra a informação de que tinha havido um aumento grande da procura, dando uma importância exagerada a essa saliência do valor de EUR500 mil”, diz o autor.
A análise partiu do cruzamento de dados do IMT (o imposto pago sempre que um imóvel é comprado) e do IMI (Imposto Municipal sobre Imóveis, que dá uma medida da qualidade da casa através do seu valor fiscal). Os investigadores focaram-se no período entre 2010 (antes da entrada em vigor dos vistos gold em 2012) até 2019, para eliminar os efeitos posteriores da crise e da pandemia. Em quase dez anos, o regime teve 12 mil candidaturas e gerou EUR7 mil milhões, o que comprova a atração de investimento estrangeiro, embora tenha “trazido outras consequências”, dizem os autores. “As pessoas começaram a comprar casas por EUR500 mil com pior qualidade do que anteriormente.”
“Os vistos gold não foram a única variável a contribuir para aumentar o preço das casas. Mas confirma-se que foram uma delas”, diz João Pereira dos Santos
Questionado sobre se houve um efeito de contágio nos imóveis abaixo desse patamar de EUR500 mil, o investigador sublinha que a análise só permite ver esse efeito em casas que, “na ausência do regime, poderiam ter sido vendidas, em média, por 475, 480, 490 mil euros”. Contudo, admite, “à medida que o tempo foi passando, houve um contágio para os valores mais baixos, exacerbado pelo facto de existir pouca construção e a que existe ser direcionada para uma gama mais alta”.
João Pereira dos Santos frisa que os vistos gold “não foram a única variável a contribuir para o aumento dos preços das casas”, referindo outros fatores como o alojamento local, a abertura de novos hotéis ou o regime de residentes não habituais. “O aumento do turismo e da imigração inflacionaram a procura. Mas o que a nossa investigação confirma é que o regime de vistos gold contribuiu e é um desses fatores.”
Faltam mais dados
Um estudo encomendado pelo anterior Governo, realizado por um grupo de trabalho composto por vários ministérios, avançado pela Rádio Renascença há um ano, também concluiu que os vistos gold “promoveram” a subida dos preços das casas “nas zonas de maior pressão”. Em julho de 2023 foi aprovado no Parlamento o fim da atribuição dos vistos para investimento em imóveis, com os votos favoráveis do PS, BE e PCP, e contra do PSD, IL e Chega.
O mercado imobiliário tem esperança de que o novo Governo ressuscite os vistos gold. Hugo Santos Ferreira, da Associação Portuguesa de Promotores e Investidores Imobiliários, admitiu recentemente ao Expresso ter a “expectativa de que o novo Governo possa fazer um trabalho de reabilitação da imagem e relançamento”, referindo um “regime de arrendamento verde e de arrendamento acessível”, no sentido de o Estado atribuir vistos a quem invista em imóveis para colocar no mercado.
Para discutir “de forma séria” sobre se os vistos gold devem ou não ser mantidos, João Pereira dos Santos diz que são precisos mais dados. “Não sabemos se as casas foram compradas por pessoas que se fixaram em Portugal ou que só vêm 14 dias, o que tem impactos diferentes no consumo privado. Não sabemos se as casas estão fechadas ou colocadas em arrendamento, nem onde foram compradas, se em zonas de reabilitação ou mais turísticas. E era possível saber, porque os dados existem.”