Défice comercial de Portugal com a Alemanha cai para mínimo de oito anos
13-02-2025
Portugal importa da Alemanha mais bens do que os que exporta para lá, mas em 2024 o desequilíbrio estreitou-se
A Alemanha é o segundo maior mercado das exportações portuguesas de bens, o quarto maior emissor de turistas para o nosso país (mas com o segundo lugar em termos de dormidas) e um dos mais importantes investidores em Portugal, protagonista de alguns dos investimentos mais estruturantes para a economia lusa. A relação bilateral expandiu-se em 2024 para um patamar histórico e Portugal registou o défice comercial de bens com a Alemanha mais baixo dos últimos oito anos. As eleições alemãs, a 23 de fevereiro, serão importantes não apenas para a orientação das políticas da União Europeia (UE), mas também para o rumo da economia germânica, que acumula dois anos no “vermelho”.
Após a recessão, e com previsões de um magro crescimento no curto prazo, André Coelho, professor do ISEG, considera que “é provável que o fraco desempenho da economia alemã venha a ter repercussões em Portugal e Espanha”. “A economia alemã está estagnada, penalizando as exportações portuguesas. Penso que 2025 será menos interessante para as exportações portuguesas para a Alemanha do que 2024. Mas o país pode ainda libertar dinamismo em algumas áreas”, frisa, por seu turno, Augusto Mateus, ex-ministro da Economia.
“E o que se passa na Alemanha pode afetar-nos de duas formas: se o consumo alemão cai, vendemos menos para lá, e se as exportações do país caírem também, vendemos menos para a indústria alemã”, sublinha Manuel Caldeira Cabral, outro ex-ministro da Economia, convicto de que a economia germânica “até pode crescer ligeiramente acima de 2024, mas pouco, e, sendo o motor da Europa, isso significa que a UE também não crescerá muito”.
“Alemanha até pode crescer, mas pouco, e, sendo o motor da Europa, a UE também não crescerá muito”, diz Caldeira Cabral
Certo é que a relação comercial de Portugal com a Alemanha atingiu máximos históricos em 2024. As exportações portuguesas de bens para a Alemanha aumentaram 18% em termos nominais, atingindo EUR9,76 mil milhões, o valor mais elevado desde, pelo menos, 2000, quando começa a série de dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) analisada pelo Expresso. O país tornou-se o segundo maior mercado luso nos bens, valendo 12,3% do total, superando França e ficando apenas atrás de Espanha.
Vendas para a Alemanha e compras daquele país em máximos
Balança comercial de bens com a Alemanha, em milhões de euros
O surto inflacionista dos últimos anos impulsionou os valores nominais (que não estão expurgados do efeito da subida dos preços). Mas o desempenho das exportações nacionais para Berlim reflete também a “visível melhoria da competitividade” da economia portuguesa e do seu tecido empresarial, considera Paula Carvalho, economista-chefe do BPI.
Mais valor acrescentado
No topo da lista de 2024 surgem as máquinas e aparelhos e o material de transporte, que, em conjunto, representaram 46% do total. E já no ano 2000 lideravam o ranking, valendo 53% do total. Mas as semelhanças ficam por aqui. Entre 2000 e 2024 verificou-se um forte reforço de produtos de valor acrescentado, das indústrias químicas (com destaque para a farmacêutica) e de instrumentos e aparelhos com maior intensidade tecnológica (ótica, fotografia, cinematografia, medida, controlo, precisão, bem como médico-cirúrgicos). Estas categorias passaram a ocupar as terceira e quarta posições, respetivamente. Já indústrias tradicionais, têxteis e calçado, determinantes na viragem do século (terceiro e quarto lugares no ranking em 2000), perderam relevância.
Também as importações lusas com origem na Alemanha ascenderam em 2024 ao valor nominal mais elevado da série de dados do INE (que começa em 2000), atingindo EUR12,2 mil milhões. Os germânicos foram, assim, o nosso segundo maior mercado de origem nos bens, valendo 11,4% do total. Mas há uma grande diferença nas duas dinâmicas: as vendas de Portugal cresceram 18% em 2024, as compras aumentaram menos de 2%. Assim, o saldo da balança comercial portuguesa de bens com a Alemanha, que é estruturalmente deficitário (foi sempre negativo este século), melhorou bastante no ano passado. O défice de EUR2,44 mil milhões em 2024 é o melhor resultado desde o saldo negativo de EUR2,42 mil milhões registado em 2016, ou seja, há oito anos.
O turismo e o investimento
O mercado alemão também é importante para Portugal no turismo (que representa uma grande fatia das exportações portuguesas de serviços). No ano passado, os germânicos foram o quarto maior contingente de turistas em Portugal, representando 8,9% dos hóspedes não residentes nos alojamentos turísticos no país e 11,3% do total de dormidas de não residentes (só atrás do Reino Unido).
O turismo português tem feito “um caminho importante” em termos de subida na cadeia de valor, destaca Augusto Mateus. E continua: “Portugal é hoje uma importante potência turística a nível global. Está no top 10 de maior geração de riqueza na atividade turística a nível absoluto em termos mundiais.”
Metalurgia está preocupada, mas a crescer na Alemanha. Frutas e legumes bateram recorde e mantêm confiança
Também no investimento estrangeiro a Alemanha é relevante para Portugal. Segundo o Banco de Portugal (terceiro trimestre de 2024), o stock do Investimento Direto Estrangeiro (IDE) germânico no nosso país é de EUR8,72 mil milhões, com o país a ocupar o oitavo lugar, atrás de Espanha (em primeiro lugar), Reino Unido e China, entre outras geografias.
IDE alemão em Portugal atinge pico no final de 2023
Stock de investimento direto estrangeiro na ótica do investidor final, em milhões de euros
O investimento alemão está muito direcionado para empresas do sector transacionável e fortemente exportadoras. Logo, tem um impacto relevante nas exportações e um efeito de arrastamento sobre o tecido económico nacional. Entre essas empresas destacam-se alguns dos campeões das exportações nacionais, como a Continental Mabor, a Bosch ou a Volkswagen Autoeuropa, que tem mais de 4800 empregos diretos e fechou 2024 com o seu segundo melhor registo de sempre no fabrico de automóveis (só atrás de 2019).
Apesar dos problemas na economia alemã, as exportações portuguesas em sectores-chave como a metalurgia têm resistido. Em 2024, a fileira viu o valor das vendas para a Alemanha crescer 8,5%, “o que representa um resultado fantástico, tendo em conta que o país, para além da dificuldade em garantir soluções de Governo estáveis, atravessa uma crise profunda nos principais pilares da sua economia”, diz Rafael Campos Pereira, vice-presidente da AIMMAP, a associação do sector metalúrgico. “Beneficiamos de alguns encerramentos de concorrentes na Alemanha, designadamente do sector dos componentes para automóveis, e da relação de confiança que fomos criando com os clientes”, justifica o dirigente. “A tendência de nearshoring [deslocar compras para países geograficamente mais próximos] também está a ajudar a fidelizar encomendas”, refere, sem esconder “grande apreensão quanto ao que pode acontecer no futuro”.
Nas frutas e legumes, 2024 também fechou com um registo recorde em relação à Alemanha. “Crescemos 12,6% e já estamos a bater a fasquia dos EUR200 milhões”, diz Gonçalo Santos Andrade, presidente da Portugal Fresh. “Estamos a falar de 83 milhões de consumidores ou de 18,4% do consumo da UE. A Alemanha é o maior importador da Europa e o quarto cliente de Portugal. O que acontecer lá vai obviamente ter impacto em todo o sector, mas no entanto estamos otimistas”, explica o dirigente associativo, confiante na capacidade dos produtores nacionais para continuarem a vender para lá, em especial pera rocha, couve, maçã, framboesa e laranja do Algarve. “Mais houvesse e mais vendíamos”, assegura.
Com Margarida Cardoso
Sónia M. Lourenço
Jornalista
Sónia M. Lourenço