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Energy resources: the insatiable voracity of the Chinese panda

A passagem do domínio das actuais fontes de energia, como o gás e o petróleo, para outro tipo de energia que venha ser controlada pela China, pode dar-lhe a liderança no poder mundial. A energia é uma das causas ocultas de muitos conflitos mundiais e uma das razões remotas do protagonismo da China encontra-se, em parte, no aumento crescente das suas necessidades de combustíveis, que se acentuou exponencialmente depois da entrada, em 2001, na Organização Mundial do Comércio (OMC). As consequências deste movimento para a ordem económica mundial são de grande complexidade. Bastaram alguns anos para se dar uma mudança sísmica no padrão energético global, com impacto, por exemplo, “na geopolítica dos recursos minerais”: a China substituiu os EUA e a Europa, onde historicamente se concentrava a procura mundial de recursos energéticos. O momento não foi só disruptivo neste particular – foi um deflator das economias ocidentais, provocando o colapso das suas bacias industriais. O resultado está à vista, nomeadamente nas alterações do perfil dos eleitores ocidentais. Visita de Nixon abre as portas da China Em Fevereiro de 1972, durante a viagem de sete dias à China, o Presidente dos Estados Unidos Richard Nixon disse: “Esta semana, o mundo mudou.” E todos concordam que mudou. Mas não no sentido que os EUA esperavam e mais depressa do que em Pequim se imaginava. A partir de factos, da leitura de relatórios e de discursos, de notícias e de reportagens, bem como de entrevistas a economistas e estudiosos, com perspectivas diferentes, o PÚBLICO tentou reconstruir os bastidores das movimentações protagonizadas pela China para tentar chegar ao topo do poder e desafiar a ordem económica liberal. É o que demonstra o levantamento cronológico dos acontecimentos. Um caminho delineado à cadência temporal chinesa, sem improvisos, mas com sobressaltos, nem sempre fáceis de precisar na agenda. O primeiro episódio está bem documentado e ocorre na fase aguda de confrontação geopolítica da Guerra Fria. Há 45 anos, Nixon e o seu secretário de Estado Henry Kissinger foram a Pequim para se encontrarem com o líder que consideravam ser um “perigoso vermelho”: Mao Tsetung. O objectivo declarado dos republicanos era sensibilizar a cúpula comunista a abrir um mercado de mais de mil milhões de pessoas à troca dos fluxos comerciais e aos investimentos norte-americanos. Nas suas memórias, por fim, Kissinger revelará o motivo principal: quebrar a ligação da China à antiga União Soviética. Foto O Presidente dos EUA Richard Nixon e a mulher, Pat, ao lado de Lin Jiamei, mulher do vice-primeiro-ministro Li Xiannian (segundo a contar da direita; mais tarde, tornar-se-ia Presidente da China e seria o primeiro Chefe de Estado chinês a visitar Portugal), e o secretário de Estado norte-americano William Rogers, na Muralha da China, em Fevereiro de 1972 Corbis via Getty Images Momento disruptivo I: Deng À morte de Mao Tsetung (1976), segue-se a luta de poder que culmina na eleição de Deng Xiaoping, que o Partido Comunista Chinês (PCC) antes ostracizara. Nesta altura, “as correntes neoliberais estavam em crescimento a advogar a globalização como o movimento em relação ao qual todos lucravam”, recorda João Costa Pinto, ex-vice-governador do Banco de Portugal, ex-presidente da Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo (CCCAM) e à época a exercer funções governamentais em Macau. Conta o mesmo economista que se “verificou a confluência de três factores: o neoliberalismo de [Ronald] Reagan e de [Margaret] Thatcher deu impulso à globalização; a revolução tecnológica em curso, com impacto na organização e no funcionamento do sector das telecomunicações (armazenamento, tratamento computorizado e transferência de informação) promoveu a integração dos mercados mundiais; e o PCC reabilitou Deng, que abriu a economia chinesa à influência desse movimento”. Acontece que a cúpula comunista está carregada de ideologia. “Depois de Deng ter dito não podemos viver como estamos , houve uma reunião que durou um mês a questionar o que é que o camarada Mao pensaria disto e daquilo. Ficou célebre a resposta de Deng: Não sei, mas a verdade dos factos é que não podemos continuar a viver assim. O episódio é narrado por Fernanda Ilhéu, docente no Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG), especializada nos temas do Oriente, que viveu em Macau entre 1978 e 1996: “Ainda hoje se diz a verdade dos factos .” Foto Uma fotografia de Deng Xiaoping exibida durante um espectáculo em Macau em 19 de Dezembro de 2019, que celebrou o 20.º aniversário da integração de Macau na China Jason Lee/Reuters De 1949 a 1978, não se passara nada na China. “Quando cheguei, a China vivia na Idade Média”, conta Ilhéu. Então, Deng traz a solução: “Para acelerar a reconversão económica, aposta nos sectores menos evoluídos tecnologicamente, de mão-de-obra intensiva, tudo o que é vendável.” E “promove parcerias [com investidores estrangeiros] na forma inicial de joint venture”. No exílio em França, o dirigente chinês tinha sido, entre outros trabalhos, operário da Renault. E, talvez, daí se perceba, em parte, porque associa ao novo conceito estratégico um ingrediente, como relata um dos seus biógrafos, Ezra F. Vogel, em Deng Xiaoping and the Transformation of China (Harvard University Press, 2011). Incentiva as elites chinesas a viajarem para o estrangeiro e a estudarem casos de sucesso, com especial foco nos tecnológicos e de gestão. E recomenda-lhes que estabeleçam elos de confiança para uma colaboração em futuros negócios. E é assim que, em Agosto de 1988, chega aos EUA “um jovem cientista político chinês”, hoje braço direito de Xi Jiping. Wang Huning tem 33 anos e no regresso a Pequim escreve: “Se quisermos dominar os americanos, temos de fazer uma coisa: superá-los em ciência e tecnologia.” Em Fevereiro, a The Economist traça o perfil ao actual “chefe de ideologia e propaganda de Xi Jinping”, ex-assessor de vários dirigentes chineses, para destacar que ainda hoje se estuda a influência na modernização da China da passagem de Wang Huning pelos EUA. Paralelismos são, quase sempre, pouco fiáveis. Mesmo assim, em 2018, o ex-primeiro-ministro britânico Gordon Brown, a propósito das mudanças na geopolítica mundial, enumera: “Mais de 600 mil alunos chineses estudam no exterior todos os anos e 450 mil deles fazem-no nos EUA e na Europa, onde constroem profissões duradouras e redes sociais.” Foto Wang Huning: “Se quisermos dominar os americanos, temos de fazer uma coisa: superá-los em ciência e tecnologia” Momento disruptivo II: queda da URSS A muitos quilómetros de distância, em Moscovo, “Gorbatchov vê no conceito de Deng a oportunidade de travar o progressivo empobrecimento em que a União Soviética caía, ano após ano, e a via para salvar o poder comunista”, conta, agora, Luís Amado, ex-ministro da Defesa e ex-chairman da EDP, controlada desde 2012 pela chinesa Three Gorges. As orientações de abertura económica e de democratização introduzidas por Gorbatchov, a Perestroika (“reestruturação”) e a Glasnost (“transparência”), abrem a caixa de Pandora. Em Junho de 1989, o PCC reprime violentamente as manifestações de Tiananmen com mortes. Estava-se a seis meses do derrube do Muro de Berlim. “O massacre de Tiananmen foi uma tragédia”, relembra Costa Pinto, ao “determinar o futuro da China, eliminando uma geração que a podia ter levado para uma sociedade mais democrática”. “As manifestações são o segundo momento disruptivo para a China contemporânea” e um “sobressalto” para o regime comunista, explica Amado, que acompanha os temas de geopolítica mundial: “Deng percebeu que não podia ceder à dinâmica de abertura da economia.” “O regime chinês mantém o processo de liberalização económica e comercial, mas torna-se implacável do ponto de vista do exercício do poder político, nenhum questionamento ao PCC e ao seu secretário-geral”, adianta Amado. O académico, investigador e ex-assessor de vários presidentes da República Carlos Gaspar conta como em Pequim se interpreta o fim da URSS: “Por um lado, Moscovo entrara em confronto [indirecto] com os EUA [em Portugal, Angola, Moçambique, no pós-25 de Abril, ou no Afeganistão] sem estar preparado; por outro, Deng considera que os EUA aplicam aos regimes comunistas uma estratégia que classifica de transição pacífica , mas que no fundo pretendem miná-los por dentro, política e ideologicamente, através dos argumentos da democracia, sem entrarem em guerra directa.” E “se o fizeram na URSS, irão querer fazê-lo na China”. Gaspar faz ironia: “Também não era suposto os regimes comunistas implodirem – eram o futuro da humanidade.” Foto A icónica fotografia de 5 de Junho de 1989 dos protestos na Praça de Tiananmen, que terminaram com centenas de mortos e a revolta reprimida Arthur Tsang/Reuters Ocasionalmente, em Pequim, passam-se mensagens equívocas. Em Julho de 1998, a TV chinesa transmite um debate entre o Presidente norte-americano Bill Clinton e o novo o secretário-geral do PCC, Jiang Zemin. O democrata defende com vigor Dalai Lama, o líder espiritual do Tibete, território anexado por Pequim em 1950, fala de democracia e menciona o massacre de Tiananmen. Jiang Zemin contrapõe que a China tem escolhas a fazer, como “o direito à subsistência e ao desenvolvimento”, mas, todavia, reconhece: “Podemos ter uma troca amigável de opiniões e discussões. Acho que [isso] também é democracia.” Mas a viagem de Clinton à China tem pouco que ver com direitos humanos e serve, sobretudo, para facilitar o acesso dos EUA ao seu gigante mercado. No ano seguinte, Pequim anuncia que eliminou os entraves à entrada de produtos e serviços estrangeiros no seu território. Momento disruptivo III: China entra na OMC A 8 de Março de 2000, na Escola de Estudos Internacionais Avançados Johns Hopkins, Bill Clinton enfatiza os méritos da futura integração da China nos padrões de mercado: “É claro que não criará uma sociedade livre da noite para o dia, nem a OMC vai assegurar que cumpra as regras globais”, mas para o Presidente americano acabará por se democratizar. Para provar aos que têm dúvidas de que nada está perdido, repesca a mensagem deixada, dois anos antes, na visita a Hong Kong: “Líderes dotados de visão, imaginação e coragem encontrarão formas de pôr a China do lado certo da história.” Lisa van Dusen, ex-editora do Washington Post, refere-se a este discurso no jornal canadiano The Hill Times como o “trágico legado da doutrina chinesa de Bill Clinton” e “o mais persuasivo dirigido à elite” política de Washington e à comunidade internacional. Por seu lado, a académica Jennifer Hillman, na altura membro da Comissão de Comércio Internacional dos EUA, descreve ao Politico qual era a percepção generalizada dos estrategas da Casa Branca: “Formularam pressupostos implícitos – e muitas vezes explícitos – de que a adesão da China [à OMC] daria poder aos reformadores” para promoverem “as mudanças fundamentais no Estado autoritário de partido único da China”. Hillman acrescenta: acreditavam ainda “que um número significativo” de pessoas – em “todos os níveis da governação – a queriam “com uma economia de mercado” e “democrática”. Foto O Presidente Bill Clinton discursa na Escola de Estudos Internacionais Avançados Johns Hopkins, a 8 de Março de 2000 Mark Wilson/Getty Images Na óptica de Luís Amado, os eventos disruptivos na antiga URSS vieram acentuar a ideia: “Vamos a caminho da exportação do modelo liberal para todo o mundo e estando a China a tornar-se progressivamente uma economia capitalista, mais cedo ou mais tarde, o poder monolítico fechado do PCC irá entrar em colapso.” E é esta tese que entusiasma Bill Clinton. Em Maio de 2000, o Senado dos EUA, de maioria democrata, aprova legislação para normalizar as “relações comerciais permanentes com a China”, mas o que transpira para fora são divisões. Um grupo de republicanos apoiantes do candidato presidencial George W. Bush apela a que se levantem barreiras à importação dos produtos chineses. Mal chega à Casa Branca, Bush considera a China um “concorrente estratégico” dos EUA e avisa que não a receberá de braços abertos na OMC. O republicano expressa as suas razões: a certo momento, a sua força económica traduzir-se-á em ganhos de poder na geopolítica mundial. Passo a passo, Pequim reorganiza o espaço à sua volta. A 16 de Junho de 2001, a China, a Rússia, o Cazaquistão, o Uzbequistão, o Quirguistão e o Tajiquistão formalizam a Organização para a Cooperação de Xangai, um bloco de cariz político, económico, militar e energético (em 2017, Índia e Paquistão tornam-se membros de pleno direito; em 2023, será a vez do Irão). Foto O Presidente da China Hu Jintao e o Presidente da Rússia Vladimir Putin a caminho da “fotografia de família” durante um encontro da Organização para a Cooperação de Xangai, em 2006 Elizabeth Dalzie/Reuters Na viragem do século, a China já é o sétimo maior exportador mundial (4% do total) e o oitavo importador de mercadorias (3,4%). Entre 1989 e 2000, a procura chinesa de petróleo bruto duplicara. “Até 1993, quando passa a importador líquido, a China era energeticamente auto-suficiente [pelo seu incipiente desenvolvimento] e exportadora, sobretudo em carvão, mas também em petróleo. Ao antecipar necessidades adicionais crescentes, reorganiza o sector petrolífero e petroquímico, criando grandes empresas”, conta o advogado Agostinho Miranda, a viver na altura nos EUA, onde era director da Standard Oil California (hoje Chevron). Faltam agora seis meses para a OMC entronizar a China como parceiro. O director-geral à época, o neozelandês Mike Moore, congratula-se: “A China tornar-se-á verdadeiramente uma entidade de âmbito mundial”, dotada de “um ambiente mais saudável para novos negócios e investimentos estrangeiros”. Um diplomata chinês envolvido nas negociações sublinha, sob anonimato, que, “pela primeira vez, na sua história, [a China] se abre ao mundo de acordo com a regulamentação estrangeira”. Em Doha, a 11 de Dezembro de 2001, a comunidade económica e financeira ocidental aplaude a entrada da China na OMC. Um episódio considerado por alguns analistas – entre os quais, o economista João Salgueiro, falecido em 2023 – como o mais disruptivo para a ordem económica ocidental. Foto Logótipo do cadeia de restaurantes McDonalds em Pequim, em 2001, ano em que a China entrou na OMC Kevin Lee/Getty Images Carlos Gaspar concorda: “A partir daí, começam a construir-se duas economias, duas esferas de influência tecnológica.” E ressalva, em todo o caso, que “as grandes reformas da China foram realizadas antes da entrada na OMC”. “É verdade que o grande salto ocorreu antes de 2001. Mas as premissas estabelecidas pela OMC estavam cumpridas”, contrapõe Ilhéu. “Na China, a remodelação legal – de processos de produção e comercial – é evolutiva.” Já Costa Pinto prefere evidenciar a extrema importância da decisão para Pequim. E por duas razões: “Uma, política, de reconhecimento de que, do ponto de vista das regras comerciais, a China era um parceiro em pé de igualdade, dotada de um modelo concorrencial; outra, de ganho económico, por abrir as suas portas ao comércio internacional.” Momento disruptivo IV: estratégia energética A 20 de Setembro de 2002, o primeiro-ministro Durão Barroso está em São Bento: “O Iraque tem armas de destruição maciça, biológicas e químicas, e pode estar prestes a possuir nucleares.” O espanhol José Maria Aznar mostra-se em sintonia, tal com o inglês Tony Blair: “O Iraque poderá desencadear um ataque químico ou biológico em 45 minutos.” A encenação tem um propósito: preparar a opinião pública para dali a seis meses, a de 16 de Março, nos Açores, George W. Bush anunciar a Operação Liberdade do Iraque. O mistério só existiu, evidentemente, na imaginação dos quatro governantes. As armas de “destruição maciça” nunca apareceram. E começam aí as desconfianças, conta o especialista em energia Agostinho Miranda: “Pela primeira vez, os teóricos chineses, entre eles Wang Huning, referem-se aos americanos como não sendo sinceros.” Porquê? “Interpretam a invasão do Iraque como um gesto hostil: Os EUA dizem que vão impor a democracia e os direitos humanos no Iraque, mas, no fundo, querem capturar as fontes de petróleo, de que estão dependentes .” Carlos Gaspar explica também que “o Japão e, sobretudo, a China revêem as suas estratégias e passam a valorizar fontes alternativas ao Médio Oriente, receando que lhes seja cortado o acesso [aos recursos energéticos]”. E acrescenta: “A China vira-se para a Rússia, Angola, Ásia Central, entre outros, além de apostar no desenvolvimento da sua marinha de guerra para poder controlar as vias de comunicação naval, nomeadamente, as do golfo Pérsico.” No final de 2003, a China já é a sexta maior economia do mundo e a sua quota mundial das exportações têxteis passou para 25%. Foto Para Carlos Gaspar, “as grandes reformas da China foram realizadas antes da entrada na OMC” Daniel Rocha (arquivo) Em Setembro de 2004, sabe-se que, devido ao sobreaquecimento económico, as importações chinesas de petróleo aumentaram nos primeiros oito meses 39,9%, superando o crescimento da procura do Japão (a segunda maior economia do mundo), quando, dez anos atrás, Pequim não importava sequer um barril. Uma das surpresas é, justamente, o valor do défice doméstico de energia chinês que passa de 7% em 2003, para 16%, em 2004. O pulo “assusta e surpreende” a cúpula do PCC, nota Agostinho Miranda: “Ter um défice [de energia] de 20% na China é gigantesco, supera as necessidades das Filipinas.” A imprensa ocidental dá conta do que se passa: “As fábricas de automóveis trabalham dois dias por semana e todas as noites.” Há restrições à iluminação nocturna dos edifícios do centro financeiro de Xangai. Luís Amado sublinha que a entrada da China na OMC foi também “disruptiva em termos energéticos, ao passar de um modelo económico fechado para um de expansão, de conquista de mercados globais, necessita de matérias-primas para manter as suas manufacturas e fábricas”. E indica que remonta aqui a grande dinâmica de crescimento da procura de recursos naturais, metais e energia, nos mercados mundiais. Foto Operário chinês trabalha numa plataforma de perfuração de petróleo no campo de Daqing, explorado pela PetroChina, na província de Heilongjiang, no nordeste da China, a 18 de Março de 2006 Jason Lee/Reuters A cúpula comunista precisa, portanto, de agir. A BBC expõe: a China “não só tenta adquirir campos na Ásia central, como tem equipas a fazer prospecções nos desertos do extremo oeste e no mar da China meridional”. A mesma fonte relata um ambiente frenético nos portos de Pequim e de Cantão, onde “milhares de trabalhadores constroem, dia e noite, uma frota de novos navios para trazer ferro e gás natural da Austrália e petróleo de onde quer que ele possa vir, da Rússia, do Sudão, da Nigéria ou do Irão”. Na agenda, estão planos para investir nos dez anos seguintes 100 mil milhões de euros no sector da energia. E Agostinho Miranda observa que “dez mil milhões/ano equivale a cerca de 2% do investimento mundial. É qualquer coisa!” A novidade é a urgência. China visa empresas americanas A 23 de Junho de 2005, a maior produtora chinesa de petróleo e gás, a China National Offshore Oil Corporation (CNOOC), lança uma oferta hostil de 17,2 mil milhões de euros sobre a americana Unocal. Durante semanas, um grupo de senadores americanos usa a sua influência para pressionar a Casa Branca a analisar o negócio por dois prismas: se não viola as regras da OMC, dado que é o Estado chinês que o financia; quais os riscos para a segurança norte-americana. John Tkacic, da Fundação Heritage, destaca a proximidade de operações de extracção da Unocal a locais estratégicos norte-americanos, nomeadamente, no Alasca, “onde se testam sistemas de mísseis de defesa”. As “acesas discussões no Congresso americano” têm o mérito de instalar realismo na CNOOC, que desiste. O Japão, a segunda maior economia do mundo, e a emergente chinesa já se enfrentam pelo acesso aos recursos naturais. Tóquio tinha, entretanto, acertado com Moscovo a construção de um oleoduto de 4000 quilómetros entre a Sibéria e a costa do Pacífico. Foto Plataforma petrolífera da CNOOC no Mar de Bohai, na China, numa fotografia de Maio de 1999 China Newsphoto SONG/TZ/Reuters Por recear a concorrência do seu vizinho (e persuadir Moscovo a não quebrar com o acordado), o Japão dispusera-se a financiar parcialmente o projecto, noticia o Financial Times. Em breve, Tóquio dar-se-á conta de que algo não bate certo, pois a imprensa russa escreve que Putin traça uma “rota alternativa”, mais curta, de 2400 quilómetros, a ligar a Sibéria ao Nordeste da China. “Em 2005, as necessidades de petróleo da China equivaliam ao triplo de dez anos antes. E numa situação de alta de preços, em virtude do colapso da produção do Iraque, dirigiu-se para todos os fornecedores potenciais, incluindo a Rússia”, explica Miranda. Finalmente, a 1 de Julho de 2005, Jintao chega a Moscovo “para pedir ajuda para resolver o tema da energia”, de modo a “satisfazer durante décadas parte substancial das suas necessidades” de energia. O liberal Asia Times (de Hong Kong) questiona: “Qual é a razão que leva Moscovo ou Pequim a financiarem um oleoduto quando o Japão está na disposição de o pagar?” A 3 de Julho de 2005, o PÚBLICO cita o Moscow Times: “A China e a Rússia ainda se olham pelo canto do olho, mas as aproximações têm sido várias e estão sobretudo centradas nos recursos energéticos (para além da venda de armamento russo ao Exército Popular).” O responsável do Conselho Empresarial Russo-Chinês, Boris Titov, comenta: “O mundo inteiro está com medo da China, incluindo a Rússia. Mas eles também têm medo de nós. Precisam do nosso petróleo.” A ida de Jintao a Moscovo termina com a compra de 10 milhões de toneladas (mais quatro milhões do que em 2004) de petróleo e a perspectiva é aumentar para 15 milhões em 2006. Krugman versus Kissinger Em 2005, as grandes empresas chinesas estão outra vez às compras nos EUA. E por uma razão. Hu Zuohao, da Universidade Tsinghua, diz qual é: os CEO “já não estão satisfeitos com o mercado interno” e “querem saltar para o próximo nível”. Traduzindo: criar marcas globais. Depois de, em Maio, a Lenovo, até ali o oitavo maior fabricante, ter finalizado a aquisição da divisão de computadores pessoais da IBM – ficando somente atrás da Dell e da Hewlett Packard -, em Junho, a líder de electrodomésticos chinesa Haier licita a rival americana Maytag, o terceiro maior grupo do mundo da área. O jornal indiano The Economic Times classifica a oferta sobre “um ícone orgulhoso da indústria de linha branca” e como “outra demonstração da crescente influência económica da China”. Por seu lado, o The New York Times (NYT) prefere sublinhar que o negócio dará à Haier “a maior posição na América e na Europa”. Onde os analistas vêem “um grande passo na transição da China para o capitalismo”, o economista Paul Krugman sinaliza “um risco”. A 28 de Junho, na sua coluna regular no NYT, num texto intitulado O Desafio Chinês, o Prémio Nobel de Economia avisa que Pequim “emerge como rival estratégica dos EUA e concorrente na busca de recursos escassos”. E debruça-se sobre os dois negócios em curso, considerando-os mais do que negócios, em especial, a Unocal, uma empresa do “tipo que o Governo chinês desejaria controlar se quisesse entrar numa espécie de grande jogo ”, em que as grandes potências iniciariam uma corrida pelos recursos mais remotos de petróleo e gás natural”. O economista diz ainda que “comprar uma empresa é muito mais barato, em termos de dinheiro e vidas, do que invadir um país produtor de petróleo”. No caso da Haier, considera que a oferta é racional, pois visa uma marca conhecida, com uma grande rede de distribuição que serve a sua expansão. Ainda assim, Krugman escreve que “chumbaria ambas” as propostas. Foto Edgar Su/REuters Perante a controvérsia, o diplomata Henry Kissinger mostra discordâncias noutro artigo de opinião no Washington Post (WP), de 12 de Julho. Preso à sua condição de assessor de empresas chinesas, e informando que acabara de regressar de Pequim, onde esteve “a convite das autoridades”, critica Bush por sugerir que “a China está numa espécie de liberdade condicional”. Antecipando “uma reordenação substancial do sistema internacional”, pois o centro de gravidade “está a deslocar-se do Atlântico, onde esteve durante os últimos três séculos, para o Pacífico”, o republicano tenta persuadir a Casa Branca a não entrar num “confronto estratégico”, “perigoso e errado”. Kissinger aconselha ainda Washington a reconhecer “Taiwan como fazendo parte da China”. Logo depois, Pequim manifesta intenções de ocupar aquele território. 2006: “O jogo complica-se” A 21 de Março de 2006, Vladimir Putin vai a Pequim. O Presidente da China de então, Hu Jintao, sublinha o alto perfil da comitiva russa e, ao lado de Putin, confirma a construção de um sistema articulado de fornecimento de petróleo entre a Sibéria oriental e ocidental e a China, a concluir em cinco anos. O Presidente da Rússia explica que pretende “diversificar as vendas de recursos energéticos para fora da Europa” e os dois propõem-se reforçar a parceria estratégica. Carlos Gaspar assinala que “desde 1996 que a Rússia e a China desenvolvem uma parceria estratégica , só que vão fazendo progressivas e sucessivas actualizações para a aprofundar”. Em Setembro de 2006, na sede da ONU, em Nova Iorque, está a ser plantado o embrião dos BRIC. Os media brasileiros descobrem que, por impulso da Rússia, decorrem reuniões secretas entre embaixadores de quatro potências regionais: Rússia, China, Índia e Brasil. No final desse mês, já nomeado secretário de Estado do Tesouro, Henry Paulson regressa à China, “onde esteve mais de 60 vezes”, para um encontro com Jintao. O NYT relata que Paulson, que liderou as grandes privatizações chinesas, continua a ser associado na China à Goldman Sachs. O que justifica que, perante estudantes chineses, corrija: “Já não sou presidente e CEO da Goldman Sachs.” Mas, “como todos os que passaram algum tempo na China, sou um grande defensor e crente na sua economia”. E, de novo, tudo tem que ver com energia. A 1 de Julho de 2007, o Le Monde Diplomatique publica um texto de Régis Genté (correspondente no espaço da antiga União Soviética para a RFI, France 24 e Le Figaro) intitulado a “Grande disputa na Ásia central”: “Na medida em que Pequim entra nos negócios da Ásia central e em que a Europa acelera os projectos de captação de gás do Cáspio – após a guerra do gás russa-ucraniana -, o jogo” complica-se. O jornalista descreve que, “sem alardes, Rússia, EUA, União Europeia e China, travam uma intrincada batalha em torno do mar Cáspio”. Acaba por se interpelar: será que a disputa pelos gasodutos “numa região rica em petróleo e gás” levará, futuramente, “a grandes conflitos”? Líder da globalização Em 2008, o Banco Mundial mostra qual é o jogador na frente da corrida da globalização: a economia chinesa é 70 vezes maior do que era 30 anos antes, quando Deng, em 1978, a abriu ao exterior; o PIB já está 15% acima do alemão, embora o PIB per capita seja de três mil euros, menos de 10% do alemão. E saíram da pobreza 300 milhões de cidadãos. Entre 2001 e 2008, qualquer coisa como 600 mil empresas da área industrial, na sua maioria provenientes de economias liberais, deslocalizaram-se para a China. A economista Fernanda Ilhéu recupera a frase do ex-vice-presidente do Banco Mundial, Justin Yifu Lin (2008-2012): “ A China aprendeu tudo o que o Ocidente lhe quis ensinar e vendeu tudo o que o Ocidente lhe quis comprar. A rapidez do seu sucesso económico foi esta.” Momento disruptivo V: a crise financeira anglo-saxónica A 8 de Setembro de 2008, o sistema financeiro anglo-saxónico colapsa como um castelo de cartas. Numa análise publicada em 2009 – “As oportunidades que a crise oferece à China” -, Fernanda Ilhéu sublinha que, apesar da adesão à OMC, a banca chinesa “permanecia relativamente fechada”, com menos de 2% de capital estrangeiro. E daí a exposição do sector ao subprime se ficar pelos 11,2 mil milhões de euros. Noutros tempos, nenhum inquilino da Casa Branca veria a China como a bóia de salvação. Mas Pequim, em consequência das suas práticas cambiais, dispõe agora de reservas de 1,85 biliões de euros. E, pela primeira vez, os EUA precisam da sua ajuda. E agora Henry Paulson fará uso dos seus conhecimentos em Pequim. Nas suas memórias, conta que passou horas ao telefone com os homólogos ocidentais e da China para coordenar posições e trazer para a mesa as poupanças e as reservas do G20. Assim que, em Outubro, a Reserva Federal, o Banco de Inglaterra e o BCE anunciam um corte de juros, o banco central da China não demora a segui-los. “Foi a China, com as suas reservas, que decisivamente salvou do colapso o sistema financeiro mundial. E é fundamental perceber isto”, defende Amado. Por seu lado, Carlos Gaspar considera que neste momento turbulento a China “se portou bem, pois não especulou com as vulnerabilidades dos EUA”. Foto Figura de Mao Tsetung numa nota gigante durante uma exposição no Banco Popular da China Guang Niu/Getty Images “A China evitou a recessão da economia mundial”, entende Costa Pinto. E Ilhéu também concorda: “Como tinha grandes reservas, injectou na sua economia 546 mil milhões de euros [13,3% do seu PIB], reactivou a actividade empresarial, e tornou-se o principal pilar do crescimento económico global.” A crise financeira de 2008 marca outro ponto de viragem nas aspirações da China para se posicionar no jogo global e por isso se diz que, em Pequim, há um antes e um depois do 8 de Setembro. As vozes mais críticas sobre a derrocada financeira ocidental chegam, como é de esperar, do outro lado do mundo, onde se fala do “declínio americano”. Carlos Gaspar resume a mente particular chinesa: “Se os EUA já não conseguem controlar o sistema financeiro, é porque estão em decadência, e a decadência é irreversível – então, estamos na trajectória para os ultrapassar.” E a discussão arrasta-se nos cinco anos seguintes. O economista Costa Pinto coloca-se neste registo: “A crise caiu do céu para os sectores do PCC mais nacionalistas, que olharam para as dificuldades do capitalismo ocidental, na sua vertente financeira anglo-saxónica, vendo uma fraqueza das democracias liberais. E pensaram o nosso sistema é mais sólido e mais robusto.” Logo depois, clarifica: “É claro que hoje o sistema chinês sofre dos mesmos males: crise imobiliária, banca inundada de crédito malparado; enormes desequilíbrios.” Não é a primeira vez que Pequim financia os EUA, mas no início de 2009 ultrapassa, por fim, a fasquia simbólica de um bilião de dólares (930 mil milhões de euros) em obrigações do tesouro, substituindo o Japão como principal credor. Em Março de 2009, antecipando um agravamento substancial do défice orçamental americano, o primeiro-ministro chinês Wen Jiabao mostra-se “um pouco ansioso”: “É claro que estamos preocupados com a segurança dos nossos activos.” Depois de muita diplomacia associada, o Sul Global está em geminação. A 16 de Junho, Rússia (segundo maior produtor mundial de petróleo), China (6.º), Brasil (8.º) e Índia (21.º) revelam o que andaram a fazer desde 2006: os BRICS. Foto Daniel Rocha (arquivo) O objectivo é este: remodelar a geopolítica mundial e contrariar a hegemonia americana, em sintonia com a Organização para a Cooperação de Xangai. A 21 de Julho de 2009, Wen Jiabao não oculta as ambições de Pequim: “Há que apressar a estratégia de internacionalização e combinar a utilização das nossas reservas em divisas estrangeiras com a internacionalização das nossas empresas.” Obama silenciado em Pequim A 1 de Outubro de 2009, um mês antes da primeira visita oficial do recém-nomeado Presidente dos EUA Barack Obama, Pequim projecta poder: nas celebrações dos 60 anos da República Popular da China, a Praça de Tiananmen é palco de uma parada militar que dura três horas, sem interrupções, onde desfilam 200 mil militares e civis e onde é exibido armamento antigo e moderno. A estação BBC refere que Jintao fez um discurso “propositada e culturalmente dúbio”, pois, se por um lado defende que, só aderindo “sem hesitações ao socialismo com características chinesas, a China se salvará, por outro diz que apenas com reformas e abertura se desenvolverá”. A poucos meses de partir, Obama expressa a sua boa vontade, atrasando para depois do seu regresso aos EUA a audiência ao líder espiritual tibetano, o actual Dalai Lama. Espera que o sinal chegue a Hu Jintao. Num texto longo, de 2016, o WP dá conta do que era o estado de espírito da nova secretária de Estado, Hillary Clinton: “Sinaliza que não permitiria que o habitual apoio americano aos direitos humanos interferisse na crise económica global, nos temas das alterações climáticas e na crise de segurança .” Já o secretário de Estado Adjunto de Segurança, James Steinberg, faz declarações a defender que os EUA “devem mostrar que acolhem favoravelmente a ascensão da China”, mas pedindo “garantias estratégicas” de que Pequim se abstém de interferir com os aliados dos EUA. O Diário do Povo replica: “Garantia estratégica? Sim, por favor!” Mas, antes, “os EUA devem acabar com a venda de armas a Taiwan e não voltar a ter actividade de vigilância militar ao largo da costa da China”. Foto Barack Obama na Grande Muralha da China, em Badaling, em Novembro de 2009 Jason Reed/Reuters As palavras são importantes e a Casa Branca procura um caminho para “definir as relações bilaterais” sino-americanas. A 12 de Novembro de 2009, os jornalistas Andrew Higgins e Anne E. Kornblut, num texto conjunto, interpelam-se: como é que “o Presidente dos EUA mais talentoso retoricamente” em décadas vai lidar com um país que “jura lealdade ao marxismo, ao leninismo e a Mao” e, em simultâneo, “promove o capitalista bárbaro?” Os EUA querem ter laços “cooperantes” com a China. Como qualquer Presidente, Obama gosta de falar aos jovens e está previsto que, na sua primeira paragem, em Pequim, discurse no Museu de Ciência e Tecnologia. Com os seus dotes de oratória, declara: “Sou um grande partidário da não-censura”; o “uso sem restrições da Internet é uma fonte de força”; os valores universais “devem estar ao alcance de todos”. Estes comentários são silenciados. Depois de se ter reunido com o líder chinês, a conferência de imprensa que se segue é descrita como “gélida” – Jintao emudece e acaba parodiado no Saturday Night Live. O comunicado conjunto cita “diferenças sobre a questão dos direitos humanos” e deixa de fora as matérias que preocupam Obama: a excessiva desvalorização do iuan, que distorce os fluxos comerciais; a exposição da dívida pública americana à China, com cerca de dois terços das suas reservas, 2,1 biliões de euros. Antes de o Presidente norte-americano se reunir com o primeiro-ministro chinês, a imprensa não omite quem ali manda: Wen Jiabao terá de questionar Obama sobre as políticas fiscais e financeiras americanas. Jin Canrong, da Universidade Renmin, aconselha: “Quaisquer mudanças políticas na China, inclusive na taxa de câmbio, devem basear-se nos seus próprios interesses, não em pressões externas.” A mensagem mais corrosiva chega, porém, quando Obama já está na Casa Branca. O WP reporta que os editoriais em Pequim se lhe referem como o “caloteiro que se curva perante o banqueiro, o PCC”. Locomotiva BRICS A locomotiva do Sul Global está em andamento. China, Rússia, Índia e Brasil já não estão sozinhos, já que, em Agosto de 2010, a África do Sul junta-se-lhes. Cinco países com valor estratégico, organizados numa network: uma população de 3,23 mil milhões (quase metade da mundial), grande parte jovem, em idade activa. Mas ainda com pouco peso económico, somando uma riqueza de 11,2 biliões de euros, apenas 18% da global, enquanto a gerada pelas democracias liberais é de mais de 65 biliões de euros. Os anos anteriores tinham corrido bem à China. Em apenas três anos, protagonizara três demonstrações de poder: Jogos Olímpicos (2008); parada militar (2009); Exposição Internacional de Xangai (2010). Ultrapassara cinco das seis maiores economias: Itália (2003), França (2005), Reino Unido (2006), Alemanha (2009) e Japão (2011). Na óptica de Costa Pinto, a China cumpriu as metas de Deng: “Duplicar o PIB chinês entre 1982 e 2000 e voltar a duplicá-lo em 40 anos.” E o grau de execução foi este: “O PIB chinês duplicou em nove anos e voltou a duplicar em mais nove. Em média, a China duplicou o PIB em cada sete anos. E em valor nominal o PIB foi multiplicado por nove e o per capita por oito, ainda que a população tenha crescido 500 milhões.” E, em 2023, Xi Jinping veio sinalizar que até 2035 a economia chinesa irá duplicar. Foto Terminal automatizado na zona do porto de águas profundas de Yangshan, no Porto de Pequim, China, a 2 de Dezembro de 2023 Costfoto/NurPhoto via Getty Images “A China foi um deflator [destruidor] das economias ocidentais, de venda de produtos de baixa qualidade, a uma escala difícil de imaginar, com consequência no desemprego e na sua desindustrialização”, nota Luís Amado. Isto graças, em boa parte, às subvenções do Estado à produção, aos baixos salários e aos horários sobrecarregados. Com uma taxa de desemprego de 9% em 2011, as tensões nos meios políticos americanos são evidentes. À agência norte-americana AP, o influente democrata e hoje líder do Senado Chuck Schumer acusa “as práticas monetárias predatórias [da China] de minarem a saúde económica das empresas norte-americanas e a sua capacidade de competirem domesticamente e no estrangeiro”. A 11 de Outubro de 2011, o Senado aprova o diploma levado por Schumer que confere aos EUA poder para impor tarifas maiores a produtos importados de países que subsidiam as suas exportações. A agência chinesa Xinhua antecipa “uma guerra comercial entre as duas primeiras economias mundiais”. E a lei não passa. Por um motivo bem simples. Na Câmara dos Representantes, os democratas estão em desvantagem. O republicano John Boehner justifica o chumbo: “Apesar das reticências quanto à política monetária dos chineses, não me parece que esta seja a maneira certa de tratar do assunto.” Merkel pede ajuda A 31 de Janeiro de 2012, “para ganhar novos mercados e acelerar o desenvolvimento da sua própria tecnologia e design”, a empresa chinesa Sany paga 525 milhões de euros pela alemã Putzmeister, o maior fabricante mundial de equipamento para a construção civil e obras públicas. Horas depois, a chanceler Angela Merkel parte para Pequim, onde vai “pedir ajuda para resolver a crise económica europeia e [falar sobre] o tema da Síria”. Em Junho de 2012, a aproximação de Berlim a Pequim leva o Financial Times a debruçar-se sobre o assunto, questionando se “as empresas de engenharia alemãs terão condições de se manterem competitivas, face ao poder das homólogas chinesas”. E, citando o consultor alemão Bernd Venohr, interroga: “Poderá o poder intelectual alemão vencer o músculo chinês?” Em Julho de 2012, o presidente do BCE Mario Draghi faz uma declaração enfática: “Fará o necessário para preservar o euro.” A seguir à crise financeira, veio a depressão e a China aproveita o enfraquecimento das economias liberais para acentuar o poder conquistado com a adesão à OMC. A 30 de Agosto de 2012, Merkel apanha outra vez um avião rumo a Pequim. É a segunda vez no mesmo ano que ali vai, desta vez para expressar “a sua vontade política absoluta de fortalecer os laços bilaterais” e mostrar a expectativa de, em 2013, a China se tornar “o maior mercado de exportação da Alemanha”. Foto Angela Merkel visita uma zona tradicional chinesa em Hutong, Pequim, a 2 de Fevereiro de 2012, durante a visita oficial da chanceler alemã à China David Gray/reuters Dias depois, o Governo chinês anuncia novos investimentos em títulos da dívida europeia, a compra de 50 aviões Airbus, por 3,2 mil milhões de euros, o desenvolvimento de uma parceria entre o grupo chinês de equipamentos de telecomunicações e a Volkswagen. Remonta também a esse período crítico da economia portuguesa, sob intervenção da troika, a venda a grupos chineses de posições relevantes no BCP, na EDP, na REN, na Fidelidade, na ES Saúde (Luz Saúde), no BES Investimento (Haitong). Dois anos depois, em 2014, o Presidente da República Cavaco Silva faz uma visita oficial à China, tentando potenciar mais acordos bilaterais. Renomeado para o seu segundo mandato, a 28 de Outubro de 2012, Obama conhece um pouco melhor o desafio chinês. E o local para divulgar a nova estratégia geopolítica para o século XXI não é um acaso. É o Pentágono. Ali enumera as principais ameaças: todas concentradas na China. E é para o mar do Sul da China, onde os EUA desenvolvem programas antimísseis e têm aliados, que as forças se irão mover. A região, rica em petróleo e gás, é uma das rotas da navegação comercial de maior circulação do mundo e por onde se movem as embarcações que abastecem de combustível a China, o Japão ou a Coreia do Sul. O estreito de Malaca é mais movimentado do que o canal do Suez e muitíssimo mais do que o do Panamá. E é onde se encontram três grandes economias emergentes: China, Índia e Indonésia. A partir de 2011, EUA e Rússia já correm em pistas divergentes. “Coincidem na análise – o centro de gravidade está na Ásia, não na Europa -, mas discordam quanto ao caminho a seguir”, evidencia Carlos Gaspar, que acrescenta: “Os EUA optam pelo confronto com a China, enquanto a Rússia se alia a Pequim para se oporem aos EUA.” E dali resultam “duas decisões soberanas”: “Hillary Clinton anuncia o pivô asiático e Putin informa que vai desenvolver o oriental, a comunidade euro-asiática.” Diz Gaspar que este foi “o primeiro sinal claro de que a Europa já não era central para a Rússia”. Momento disruptivo VI: a eleição do “imperador” A 29 de Outubro de 2012, Vladimir Putin dá instruções à Gazprom para planear a construção do pipeline redenominado Power of Siberia-1. Por esta altura, na China está prestes a terminar a batalha fratricida pela nomeação do novo secretário-geral do PCC. E já se começa a perceber qual é a inclinação dos militantes, pois Putin, um ex-KGB, joga no futuro líder do PCC, que seria eleito em Novembro de 2012. O Presidente da China “é filho de um ministro chinês próximo do regime soviético, perseguido por pertencer a essa ala”, conta Gaspar. “E fecha-se o debate iniciado em 2008 sobre o declínio americano, com a confirmação [por Xi] do diagnóstico da decadência irreversível.” Depois de tomar posse, XI já não enfrenta resistências. É assim que funcionam as autocracias. Costa Pinto enfatiza: “Apesar de no PCC coexistirem correntes distintas, os períodos de ouro da China foram sempre marcados por governos centralizados fortes que garantiram a unidade e a coesão. Uma vez um líder eleito, torna-se um imperador na tradição chinesa. Além de que o modelo de perpetuação do poder está assente na natureza do PCC, com 100 milhões de militantes; não se deve a princípios ou opções democráticas, mas ao exercício autoritário do poder.” É comum dizer-se que “o século da humilhação da China terminou e que este é o seu século”, afirma Fernanda Ilhéu, vaticinando: “O líder que o projecta é Deng, o que o irá concretizar é Xi.” Foto Imagem do novo Presidente da China, Xi Jinping, numa carruagem de metro em Pequim, em 14 de Março de 2013 Carlos Barria/Reuters Já empossado, Xi Jinping dirige-se a estudantes russos na China a 24 de Março de 2013: as “fortes relações sino-russas” não respondem “apenas aos nossos interesses, mas servem de garantia importante e confiável de um equilíbrio estratégico internacional e da paz”. E informa que o seu primeiro destino ao estrangeiro será a Rússia. Chegando ao Kremlin, tem à espera Putin, com quem se vai encontrar ao longo dos anos uma vintena de vezes. Os dois aludem “ao bombardeamento da NATO à Líbia que culminou na queda de Khadafi”. Mas o que a imprensa destaca é a presença, pela primeira vez, de “um líder estrangeiro no centro de comando militar de Moscovo”, onde o “ministro da Defesa, Serguei Shoigu”, recebe Xi. Os dois “compartilham preocupações sobre as implantações globais de defesa antimísseis dos EUA”. Cinco anos depois de Putin ter alterado o conceito estratégico (2008) para uma linha de maior confronto com o Ocidente, Xi Jiping faz o mesmo, sublinha Luís Amado. “Nova Rota da Seda” Com Xi Jinping, abre-se um novo capítulo – a “velha estratégia de Deng de evitar o confronto com os EUA” é posta de lado, observa Carlos Gaspar. E novo objectivo é reconfigurar a ordem mundial liberal, conectando-se com 150 países, estabelecendo 140 acordos bilaterais, nomeadamente através de financiamento de grandes infra-estruturas. Raramente acontece algo de inesperado nas visitas de Estado, mas a 7 de Setembro de 2013, no Cazaquistão, o Presidente chinês anuncia a primeira parte do plano “Cinturão Económico”, redenominado “Nova Rota da Seda para o Século XXI”: ligar a China por ferrovia à Europa. Semanas depois, em Jacarta, no Sudeste asiático, Xi garante que vai “trabalhar arduamente para realizar o sonho de uma grande renovação da nação chinesa”. Aí, dá conta da segunda parte do plano, a rota marítima, edificando portos e zonas logísticas. Em Maio de 2015, a cúpula chinesa divulga o “Programa China 2025” para reconfigurar a economia para a auto-suficiência de bens industriais de alta tecnologia. Por outras palavras, transformar a China numa potência tecnológica. Foto Instalação em forma de nó para o terceiro fórum da “Nova Rota da Seda” em 18 de outubro de 2023, em Pequim, China VCG/VCG via Getty Images Após suplantar os EUA em 2004 como maior consumidor mundial de petróleo, a China torna-se, em 2013, o principal importador líquido, com 20% da procura global, lugar que Washington ocupava desde 1970. Não é um detalhe, indica o FT, classificando este momento como “histórico”, por “mexer com a geopolítica dos recursos naturais no mundo”. A 9 de Novembro de 2014, num encontro com Putin, à margem do Fórum de Cooperação Ásia-Pacífico, Xi Jinping garante que as sanções aplicadas à Rússia, após a anexação da Crimeia, nove meses antes, não o impedirão de manter a linha traçada. As bússolas estão novamente sincronizadas, quer na Organização para a Cooperação de Xangai quer nos BRICS, pois garantem que estarão alinhados nas “mais espinhosas questões internacionais”. E há mais uma actualização da parceria: “Cooperação mutuamente vantajosa.” Arábia Saudita Longe da vista de todos, começara, entretanto, um “namoro” de bastidores entre Riad e Moscovo, aproximação à qual a China não é alheia. A 17 de Junho de 2015, o ministro da Defesa da Arábia Saudita, Muhammad bin Salman (MbS), futuro príncipe herdeiro, chega à Rússia. Não é a primeira, mas a sua terceira viagem, enfatiza Simon Henderson, do “Programa Bernstein sobre o Golfo e a Política Energética” do Instituto Washington, antecipando “melhorias significativas nas relações” bilaterais saudi-russas. Henderson admite que MbS queira “manter a quota de mercado saudita”, mesmo com perda de receita, mas Putin quer “afastar a Arábia Saudita dos EUA”. E suspeita de que a diplomacia americana possa estar equivocada ao não apostar em MbS para substituir o rei saudita, mas em Muhammad bin Nayef, com quem Obama se encontrara meses antes em Camp David. “A partir de 2015, nos temas da energia e na OPEP, Riad foi deixando de se posicionar ao lado do Iraque, próximo das teses dos EUA, como era habitual”, relata Agostinho Miranda. Por coincidência, a China encontra em Riad um aliado cada vez mais importante. Além de fornecedor de petróleo, a OMC revela que em 2015 Pequim se tornou o maior parceiro comercial da Arábia Saudita, com 160 empresas aqui instaladas. A 19 de Janeiro de 2016, é por Riad que Xi Jinping arranca com o périplo pelo Médio Oriente, responsável por 60% do comércio mundial de petróleo. Ao lado do rei saudita, defende o “projecto de desenvolvimento harmónico e de crescimento interconectado”. Foto A “Nova Rota da Seda” é o grande projecto de Xi Jinping Antoine Gyori – Corbis/Corbis via Getty Images A agenda é ambiciosa. Na presença de MbS e do seu chefe da diplomacia, Wang Yi, sugere que se baixe “a tensão entre Arábia Saudita e o Irão”. A seguir, segue para o Irão, onde manifesta idênticos desejos. “A aproximação desses regimes-chave de maioria, respectivamente, sunita e xiita, foi natural”, pois “há mais de uma década que a China encara o Irão como a sua derradeira fonte de abastecimento de petróleo e gás natural. Mas, nos últimos anos, Pequim tornou-se igualmente muito dependente do petróleo da Arábia Saudita”, explica Miranda. Passados sete anos, em 2023, Wang Yi aparecerá no Médio Oriente a mediar o restabelecimento das relações entre os dois rivais históricos, grandes produtores de petróleo e gás, membros da OPEP e desde 2024 dos BRICS. Donald Trump Tudo corre mais ou menos como planeado até Novembro de 2016. Mas, ao contrário das autocracias, nas democracias há eleições. E a chegada de Donald Trump à presidência dos EUA resulta, em grande parte, do colapso das bacias industriais manufactureiras americanas, impactadas pela entrada da China na OMC. Dali em diante, as políticas de Trump tornam-se mais assertivas em relação a Pequim. A personalidade errática do novo Presidente deixa a cúpula comunista insegura. Pela primeira vez, um inquilino da Casa Branca questiona a ordem económica criada pelos EUA. Agora, Angela Merkel “está bem ciente da ameaça que representa o programa “Made in China 2025”, refere o seu gabinete. Depois de ter travado a venda de uma empresa de robótica a 1 de Agosto de 2018, inviabiliza a compra pela Yantai Taihai do produtor alemão de metais de alta resistência para as indústrias automóvel, espacial e nuclear, a Leifeld Metal Spinning. Doze anos passados, os cinco BRIC (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) já representam 25,5% da riqueza mundial, que em 2010 era de 17,9%. O PIB chinês quase triplicou, de 5,6 biliões de euros, para 16,7 biliões e o da Índia duplicou para 3,1 biliões. A 24 de Fevereiro de 2022, a Rússia quebra, mais uma vez, uma regra do direito internacional, invadindo a Ucrânia. Falta descobrir o que vai Xi Jinping fazer. De visita a Pequim, Putin e o Presidente chinês anunciam uma nova actualização e aprofundamento das relações bilaterais: para “uma parceria sem limites”. Foto Vladimir Putin e Xi Jinping em Pequim, em Outubro de 2023 Sputnik/Sergei Guneev/Pool via REUTERS Dali em diante, todos os episódios têm como pano de fundo o conflito, cujo desfecho ditará a capacidade dos dois blocos para influenciarem as regras que vão nortear a futura ordem mundial. A 24 de Novembro de 2023, a China assume-se como o principal credor do mundo, com empréstimos de 1,2 biliões de euros em projectos de infra-estruturas da Ásia à América Latina. Meses antes, em Julho, o Wall Street Journal avançara que as reservas em moeda estrangeira chinesas disparam para três biliões. Costa Pinto fala num duplo efeito: por um lado, “a China reforça a sua influência no mundo; por outro, torna-se mais integrada financeiramente”. Em Setembro, a BBC conclui: a China “cresce pouco, tem um desemprego recorde entre os jovens, um baixo investimento estrangeiro, moeda fraca e imobiliário em crise”. “Uma bomba-relógio”, diz Joe Biden, que vai “gerar crescente descontentamento interno”. Costa Pinto explica que para um nível de estabilidade e legitimidade política a China terá de crescer acima dos 6% e não dos cinco fixados pelo PCC. Na contagem de espingardas com os EUA, a expectativa dos BRICS é abrir as portas no final de 2023 a mais cinco países: África do Sul, Irão, Egipto, Emirados Árabes Unidos e Etiópia. E anunciam que vão lançar uma plataforma de comércio conjunto, com uma moeda conjunta, anuncia a CNN Internacional. Riad admite mesmo alterar a sua política em relação ao dólar, para negociar com Pequim na moeda chinesa. O aviso chega de Agostinho Miranda: “Nunca se assistiu a mudança da liderança mundial que não estivesse relacionada com o domínio das fontes energéticas ou com uma guerra.” Foto Agostinho Miranda Daniel Rocha (arquivo) “Na visão de que quem vai dominar e ajudar ao crescimento do Sul Global, os EUA receiam as duas iniciativas, BRICS e Organização de Xangai, por poderem conduzir a situações desvantajosas, reforçando o poder da China. Ambas encalham aqui”, considera Ilhéu. Os EUA sabem. Para contrariar a frente do Sul Global, Joe Biden revitaliza o G7, o grupo das sete maiores economias (liberais). A 13 de Junho, na CNN Internacional, num comentário à última reunião deste grupo em Roma, o jornalista Kevin Liptak conta como a equipa de Biden se lhe refere: “O comité directivo do mundo livre.” Com uma missão atribuída, a de estreitar os laços de modo a que nunca se desfaçam. À revista Time, do mesmo mês, o conselheiro de Segurança Nacional Jake Sullivan lembrou que Joe Biden “ligou a Europa e a Ásia de uma forma que nenhum Presidente anterior o fez”. Há poucos meses, Xi anunciou planos de produção de robôs/andróides em larga escala. E é nas tecnologias do futuro – no 5G, na IA, na computação quântica – que se dará o grande confronto, diz Costa Pinto. O mesmo economista nota que o país que as controlar prevalecerá na arena geopolítica e militar. E faz um balanço: “Em 1990, a China não tinha rede móvel de telefones, nove anos depois tinha 30 milhões de telemóveis; em 2006, 400 milhões, e os números actuais apontam para 700 milhões. A tendência não parou e a China caminha rapidamente para a tecnologia 5G.” Foi ainda divulgada a criação, em Hong Kong, de um fundo estatal de investimento em semicondutores, “o maior de sempre”, de 44 mil milhões de euros, o que terá impacto, entre outras, na área da defesa (Xi duplicou o orçamento nesta área desde que tomou posse). Subjacente a tudo isto está a guerra cambial e comercial entre a China e os EUA, que dura há anos. A União Europeia é uma peça do grande jogo e já este mês alinhou com os americanos, subindo a taxa de importação dos carros eléctricos chineses até 38,1%, mas, ainda assim, abaixo dos 100% fixados pela administração Biden. Os alemães já vieram protestar, tendo em conta que empresas como a Volkswagen e a BMW fabricam grande parte de seus veículos eléctricos na China. Foto Braços robóticos montam carros na linha de produção de veículos eléctricos da Leapmotor, numa fábrica em Jinhua, província de Zhejiang, China, em Abril de 2023 China Daily via REUTERS No entender de Fernanda Ilhéu, “a China levará muitos anos até ultrapassar os EUA, pois o diferencial é enorme”. A economista precisa o que está em causa com números: “O PIB da China é de 16,7 biliões de euros, o dos EUA é de 21,4 biliões. Mas o rendimento per capita americano é cerca de cinco vezes superior ao chinês.” Em Maio deste ano, no final da visita à China, Xi Jinping dirigiu-se a Vladimir Putin por “meu velho amigo” e abraçou-o. E voltaram a acertar agulhas: vão “aprofundar a integração multilateral”. O que quer a China? Responde Carlos Gaspar: “Oficialmente, um mundo multipolar, como a Rússia se esforça por defender. Há sinólogos que defendem uma ordem bipolar, mas o que a China quer é uma ordem em que a China está no centro.” Alguns dias depois, o FT noticia que a Gazprom registou perdas de 6,4 milhões de euros, a construção do gasoduto Siberia Power-2 anunciada em 2022 está paralisada e que Pequim exige a Putin preços idênticos aos aplicados aos consumidores russos, altamente subsidiados. “Diplomacia panda” A Economist de Maio de 2024 considerou “Xi mais subtil que Putin, mas igualmente perturbador”. No quadro da “diplomacia panda”, que aplica desde 1957, como sinal de confiança e de compreensão, Pequim enviou recentemente dois pandas gigantes para o Jardim Zoológico de San Diego. A Casa Branca deu as boas-vindas ao casal. Talvez não seja má ideia ter cautela. Meses antes, em Setembro de 2023, quando as relações bilaterais estavam presas por um fio, reclamara do National Zoo, de Washington D.C., e do Jardim Zoológico de Memphis, no Tennessee, a restituição de três destes animais. Foto A panda gigante Bao Bao no National Zoo, Washington, EUA, em Agosto de 2014 David Galen/Smithsonians National Zoo/Reuters Correcção feita às 12h26, de 23.06.2024: a legenda da primeira fotografia (visita à Muralha da China) estava errada – é o vice-primeiro-ministro da China Li Xiannian e a sua mulher, Lin Jiamei, que nela aparecem e não o Presidente China Mao Tsetung e a mulher, Jiang Qing, como antes estava escrito. Fotogaleria CFOTO/Future Publishing via Getty Images Fotogaleria Fotogaleria