A pouco e pouco o futebol foi-se tornando um grande negócio e a movimentar milhões. E com os milhões veio a corrupção de dirigentes desportivos e de “empresários” e o desbaratar de verbas públicas.
Na minha infância o Estádio da Luz estava rodeado de buracos o que em dias de chuva era um problema. Mas lá dentro pontificavam o Eusébio, o Torres, o Simões ou o José Augusto e valia o esforço. Nessa altura, o futebol ainda era só futebol, na sua mistura de competição saudável, emoção e sentido de comunidade. Os jogadores estavam ligados aos clubes de forma duradoura, e podíamos fazer coleção de cromos que a caderneta não ficava desatualizada a cada seis meses ou um ano como agora. A pouco e pouco o futebol foi-se tornando um grande negócio e a movimentar milhões. E com os milhões veio a corrupção de dirigentes desportivos e de “empresários”, a fuga ao fisco de jogadores e treinadores, o desbaratar de verbas públicas, como nalguns estádios do Euro-2004 que, passados estes anos, continuam sem utilização e com dívida por pagar.
Vale a pena questionarmos porque é que no espaço de duas gerações o futebol assumiu a importância que tem hoje, sendo difundido primeiro de Inglaterra para a Europa e depois para todo o mundo. Há boas e más razões. As boas são as que são explicadas nas obras de Johan Huizinga (Homo Ludens) e de Norbert Elias e Eric Dunning (The quest for Excitment). O primeiro explicou a necessidade do jogo e da competição não apenas em diversas sociedades, mas em diferentes domínios da vida social. Os segundos explicaram como é que num processo civilizacional, em que os Estados passaram a assumir o monopólio do uso da força, se instauraram regimes parlamentares, e a competição entre Estados deixou de ser pelo uso militar da força, o futebol canalizou essas pulsões e essa necessidade de competição.
As más razões, é a forma como este alargamento do futebol esteve associado ao crescimento no negócio e da corrupção. O documentário da Netflix sobre a FIFA, mostra bem como se fez esta transição de uma organização respeitável e com poucos recursos para uma organização milionária, em que quem tem os direitos comerciais da transmissão das provas passou, com a difusão em massa da televisão, a ter lucros fabulosos e a poder corromper quem tem o poder na organização. As coisas começam sobretudo com João Havelange, no cargo 24 anos, e continuaram no seu sucessor Joseph Blatter que esteve 17 anos à frente da organização, resistiu à investigação do FBI, mas acabou sendo suspenso na sequência do escândalo de corrupção revelado em 2015 que levou à prisão muitos dirigentes da FIFA. Subornos, compra de votos para eleições internas da FIFA (quando Blatter vence o respeitado sueco Lennart Johansson) ou para a atribuição da localização do mundial a certos países (como foi presumivelmente quer o caso da Rússia e em 2018 quer agora do Catar em 2022), e esquemas com atribuição de bilhetes fizeram parte de grande parte da história da FIFA. O Catar é o que já sabemos em termos de direitos humanos…
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Paulo Trigo Pereira
Professor Catedrático do ISEG e Presidente do Institute of Public Policy. Colunista do Observador
Paulo Trigo Pereira