Há menos alunos a embarcar no Erasmus mas surge um novo destino: o Brasil
06-03-2025
Número de participantes no mais popular programa europeu de mobilidade caiu em 2023. Portugal está entre os cinco países de acolhimento mais escolhidos. Centenas de estudantes portugueses rumam ao Brasil através de acordo bilaterais
Na altura com 20 anos e habituada a estudar fora de casa – saiu da ilha do Pico, onde vivia, para a universidade em Lisboa -, Júlia Viallelle estava “prontíssima” para fazer Erasmus e conhecer “outras pessoas e culturas”. “Já era estudante deslocada, estava habituada a ter uma vida mais independente e responsabilidades também já as tinha. Mas a experiência ultrapassou as expectativas. Os espanhóis sabem bem receber e fazer a festa”, conta, recordando os meses que passou entre setembro e dezembro de 2023 na Universidade Pontifícia, em Salamanca, onde fez o estágio de ensino clínico de Enfermagem.
As semanas eram feitas de trabalho num centro de saúde local, mas também de convívios e viagens para conhecer o país ao qual nunca tinha ido antes, apesar da proximidade. Fez amigos, portugueses e estrangeiros, aprendeu a dominar uma nova língua, sentiu que cresceu um pouco mais e reforçou uma hipótese que “está presente desde o primeiro ano na cabeça de quem entra na licenciatura em Enfermagem”: trabalhar num país estrangeiro, com a certeza de que irá ganhar bastante mais. Mas as saudades que iria ter de Portugal falam por agora mais alto.
A sua experiência não é muito diferente da que têm os milhares de alunos portugueses que todos os anos deixam a sua faculdade, durante um trimestre, um semestre ou um ano, para irem estudar ou fazer o estágio no estrangeiro. O Expresso falou com seis jovens que o fizeram recentemente e o entusiasmo pelos meses que passaram fora repete-se. “O melhor foi o crescimento pessoal e todas as pessoas incríveis que conheci pelo caminho. Foi uma experiência inesquecível que me fez crescer a vários níveis”, recorda Constança Henriques, Erasmus feito em Milão. Já Rodrigo Rodrigues acabou por ser colocado na Faculdade de Gestão de Roterdão, depois de descartar destinos mais longínquos por ser a sua primeira experiência fora e para evitar preocupações excessivas aos pais. “Ficar numa faculdade que até está melhor nos rankings do que a minha acabou por ser uma mais-valia gigante.”
Top 5 dos países de destino Programa Erasmus (geral), 2024
Desde o ano de criação, em 1987, mais de 16 milhões fizeram Erasmus, fazendo deste programa um dos mais bem-sucedidos e com maior notoriedade da União Europeia. E que entretanto já foi alargado a professores e funcionários e a outros níveis de ensino.
Os custos associados à mobilidade continuam a deixar muitos alunos de fora da experiência
Entre os países de destino preferidos pelos alunos portugueses continuam a estar Espanha, Itália, Polónia, Alemanha, França, Países Baixos e Chéquia. E Portugal é o 5º país de acolhimento mais escolhido. Além deste programa comunitário, que financia a mobilidade maioritariamente na Europa, existem protocolos bilaterais entre instituições de ensino ao abrigo dos quais os estudantes fazem outros programas de intercâmbio, mas que acabam por ser tratados todos pelo mesmo nome.
Entradas e saídas de alunos do superior Programa Erasmus, em milhares
Centenas no Brasil e um mochilão inesquecível
A redução de participantes portugueses registados nas estatísticas oficiais do Erasmus (ver gráficos) pode ser explicada, em parte, por esta procura crescente e que leva os estudantes a optar por destinos como Brasil, Chile ou Argentina. Inês Bastos, aluna do ISEG, foi apenas uma de muitos portugueses que fizeram essa escolha no ano passado, atraída pelo bom tempo, praia e “cultura única” da Cidade Maravilhosa. “Ao todo, éramos quase 300 no semestre em que fui”, conta, agora já em Portugal e depois de seis meses fora, entre agosto e janeiro. É que a experiência acaba por ser aproveitada por muitos dos que vão para a América do Sul para fazer o mochilão, uma viagem pelo maior número de países que conseguem encaixar no mês que antecede o segundo semestre em Portugal e o regresso à realidade.
Foi o que fez Tomás Alves, aluno do ISEG: depois de ter estudado em Buenos Aires – um “destino barato na América do Sul e com uma cultura muito forte” -, viajou durante mês e meio pelo Brasil, Chile, Bolívia, Peru e Colômbia. “Ao contrário de quem está na Europa, que costuma fazer pequenas viagens dentro da Europa e durante o programa, quem vai para a América do Sul costuma fazer uma viagem grande no final do intercâmbio”, explica Inês. Foi no Brasil que conheceu Miguel Ala, estudante na Faculdade de Economia da Universidade do Porto (UP). “Dava prioridade a estar num país com uma língua diferente. Acabei por não entrar nos primeiros destinos que pus, e ainda bem. As pessoas, todos os lugares que conheci, do deserto do Sal, na Bolívia, ao Machu Picchu, são memórias que nunca irei esquecer”, descreve Miguel, 21 anos completados durante a passagem pela Argentina.
Quase 300 portugueses fizeram o 1º semestre no Brasil ao abrigo de acordos bilaterais
Já com duas experiências internacionais vividas – em 2021 tinha feito voluntariado na Costa Rica -, Miguel acredita que não ficará por aqui. “Perceber que há muito mais mundo além do nosso país aumentou a minha vontade de vir a trabalhar no estrangeiro. Portugal é um dos melhores países para se viver. Porém, as condições económicas para um jovem se sustentar não são tão atrativas nos dias de hoje”, admite. E esta é outra das referências que se repete no discurso dos estudantes universitários.
Custos dificultam
Quanto a recomendações, o que mais se repete é um apelo ao desafio: “Saiam da vossa zona de conforto, pensem em qual é a melhor opção e não tenham medo de ir sozinhos. É isso que nos faz crescer”, aconselha Júlia. “Escolham um país que tenham vontade de conhecer, e não apenas pela parte académica”, sugere Inês; informem-se das burocracias necessárias e tratem do alojamento com antecedência, lembram Miguel e Rodrigo. Sobretudo numa altura em que, um pouco por toda a Europa, os custos com habitação e de vida em geral fazem disparar os encargos da mobilidade. Em muitos casos a bolsa acaba por só pagar o custo do quarto.
“O Erasmus continua a ser inacessível para muitos estudantes, em especial os de meios socioeconómicos mais desfavorecidos, e que assumem logo que uma experiência de mobilidade não é para eles”, quando estes seriam os que mais beneficiariam, admitem os responsáveis da UP, lembrando que a instituição – de onde saíram este ano letivo 1300 alunos para fora e chegaram 1500 – é fundadora e coordenadora do Erasmus for All, que tem como objetivo desenvolver novos mecanismos de apoio à participação. Na UNL, que tem acordos com instituições de 75 países, quem tem mais dificuldades recebe um complemento extra de EUR250 por mês. Mas o valor das bolsas continua a ser um “desafio”, e um dos objetivos para o próximo ciclo do Erasmus (2028-2034) é mesmo definir apoios mais inclusivos.
Isabel Leiria
Jornalista
Isabel Leiria