Lisboa avança até início de 2025 com videovigilância para controlar entrada de carros
15-11-2023
Autarquia está em conversações com a Comissão Nacional de Protecção de Dados para depois poder comprar câmaras. Zonas de Emissões Reduzidas, criadas em 2011, vão finalmente sair do papel.
A Câmara Municipal de Lisboa (CML) vai avançar, nos próximos meses, com um concurso público internacional para a contratação de um sistema de videovigilância que permita controlar os automóveis que entram na zona central da cidade. A medida, dependente ainda da autorização definitiva da Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD), permitirá assim à autarquia da capital pôr, finalmente, em prática as restrições à circulação dos veículos mais poluentes na área central, tal como definidas pelas Zonas de Emissões Reduzidas (ZER). Um sistema de controlo lançado em 2011, quando António Costa era presidente da autarquia, mas que, na verdade, nunca teve aplicação prática.
A medida, que pressupõe a colocação de cerca de uma vintena de sistemas de câmaras de videovigilância, em outros tantos locais estratégicos da cidade, para assim ler as matrículas dos automóveis que entram nas ZER, deverá ser implementada até ao final do primeiro trimestre de 2025. Um cenário admitido ao PÚBLICO por Ana Raimundo, directora municipal da Mobilidade de Lisboa, à margem do debate “Para quando menos carros em Lisboa?”, ocorrido ao final da tarde desta quarta-feira, no auditório do jornal, em Alcântara. “Estamos na fase final das conversações com a Comissão Nacional de Protecção de Dados para instalar o sistema de controlo das matrículas, para assim sabermos quem entra ou não na cidade”, disse a responsável num dos painéis do debate, organizado pelo PÚBLICO em parceria com a associação ambientalista Zero.
“As ZER já existem há muito tempo, mas apenas no papel. O problema está a montante, na legislação de protecção de dados. E, além disso, é sabido que não temos meios humanos suficientes para controlar os carros que entram. Por isso, vai ser muito importante o sistema de videovigilância. Temos estado em conversações com a Protecção de Dados e esperamos ter o processo fechado em breve. Vamos ter menos carros no centro da cidade e menos poluentes”, disse Ana Raimundo, durante o segundo painel do debate, sob o mote “Estratégias e políticas para uma Lisboa sem carros”, no qual participou também Maria Albuquerque, vice-presidente do conselho de administração da Carris e Ksenia Ashrafullina, representante do movimento cívico Lisboa Possível.
O sistema das ZER foi criado pela Câmara de Lisboa, em Julho de 2011, com o objectivo de proibir a entrada no centro da cidade dos veículos mais poluentes e, dessa forma, garantir uma melhor qualidade do ar. Através da instituição de dois “anéis”, correspondentes às zonas 1 e 2, impunham-se restrições à circulação de veículos que não cumprissem os padrões ambientais estabelecidos pelas normas europeias, instituídas consoante o seu ano de comercialização. De início, ficou estabelecido que os carros anteriores a 1992 sem catalisador não podiam circular no eixo Avenida da Liberdade-Baixa (Zona 1). Foi então colocada sinalização vertical em diversos locais.
Em Abril de 2012, a proibição estendeu-se aos carros anteriores a 1996 e a ZER foi alargada. A partir daí, os veículos fabricados antes de 1996 seriam barrados no acesso à Zona 2, situada a Sul do eixo Avenida de Ceuta – Eixo Norte-Sul – Avenida das Forças Armadas – Avenida dos EUA – Avenida Marechal António Spínola – Avenida Infante Dom Henrique. A terceira fase do programa, iniciada a 15 de Janeiro de 2015, impunha a proibição da circulação de automóveis construídos antes de 2000 na Zona 1. De acordo com o estabelecido pelas regras aprovadas desde essa altura, apenas poderiam circular nas áreas definidas pelas ZER os veículos que cumprissem tais parâmetros de origem ou que tivessem procedido à instalação de um equipamento de redução de emissões de poluentes, ou seja um catalisador.
Faltou a videovigilância
O problema é que, quase desde o início, e por impossibilidade de realizar um controlo efectivo das entradas, as ZER nunca estiveram realmente em funcionamento , exceptuando algumas dezenas de multas passadas, nos primeiros meses, em 2011, por agentes da polícia. Isto porque a instalação do sistema automático de controlo de matrículas esbarrou na demora da autorização da CNPD para a sua utilização. E apesar de a desejada luz verde da comissão que tutela a utilização dos dados pessoais ter chegado em Outubro de 2013, uma década passou sem que o sistema de videovigilância tivesse sido adquirido pela Câmara de Lisboa. Algo que estará agora prestes a mudar, com a câmara a ultimar junto da comissão a melhor abordagem para pôr o sistema em prática.
Mas essa foi apenas uma das estratégias abordadas no painel sobre as melhores estratégias para diminuir o peso do automóvel em Lisboa. Outra passa pelo significativo aperfeiçoamento da oferta dos transportes públicos, como salientou Maria Albuquerque, da Carris, que destacou o crescimento da oferta verificado nos últimos anos. Entre 2017 e 2017, a empresa municipal estima uma subida de 40% no número de quilómetros feitos. “Nos próximos meses, vamos ter mais autocarros novos. Os quais nos vão permitir quadruplicar o número de autocarros eléctricos na nossa frota”, disse a administradora da operadora de autocarros e eléctricos, salientando o “contributo do transporte público para o equilíbrio ambiental”.
Uma visão menos optimista em relação ao caminho trilhado, nos últimos anos, pelos decisores políticos da cidade demonstrou Ksenia Ashrafullina, do movimento cívico Lisboa Possível. “Sinto que a cidade não tem as prioridades bem definidas. Em vez de optimizar a saúde, sinto que está a optimizar o carro. Se Lisboa tivesse um novo hino, seria qualquer coisa como “Quero tirar carros / não quero tirar carros”, ironizou, criticando a suposta indefinição sobre qual o caminho a trilhar.
Também muito crítico em relação à forma como a questão da mobilidade tem sido abordada na cidade se revelou Luís Mendes, activista no movimento Morar em Lisboa, e um dos participantes no primeiro painel do debate realizado nesta quarta-feira. Sob o mote “Desafios e oportunidades para uma Lisboa sem carros”, contou também com a participação de Mário Rui André, jornalista e editor do Lisboa Para Pessoas, Patrícia Melo, professora associada no Departamento de Economia do ISEG, da Universidade de Lisboa, e Rui Lopo, administrador da Transportes Metropolitanos de Lisboa. “A mobilidade tem estado muito ausente no pensamento estratégico sobre Lisboa. O peso do automóvel tem que ver com a falta de planeamento”, disse Luís Mendes.
Já Patrícia Melo alertou para a complexidade do problema, sublinhando que os desafios nesta área em Lisboa “são os mesmos de há duas décadas, com uma grande dependência do automóvel”. A solução, diz, será sempre multifactorial, mas com especial enfoque em três políticas: a de tarifação da circulação, a do condicionamento do trânsito e a da gestão do estacionamento. “Todas são da responsabilidade do município, mas não são populares em termos políticos”, afirmou.
Mário Rui André aponta como uma óbvia medida transformadora a criação de mais corredores BUS, “para que os autocarros tenham uma velocidade comercial mais competitiva”. Uma medida com a qual concordou Rui Lopo, da Transportes Metropolitanos de Lisboa, entidade gestora da Carris Metropolitana. “O autocarro é amigo das cidades, temos de defendê-lo”, afirmou, já depois de salientar que, apesar da importância desse tipo de veículo, os problemas da mobilidade à escala metropolitana apenas poderão ser “resolvidos a sério” com recurso a transportes colectivos pesados, como são os comboios, o metro e os barcos.