Proposta da CIP de 15.º mês de salário livre de impostos "põe em causa a Segurança Social"?
30-09-2023
O que está em causa? A Confederação Empresarial de Portugal (CIP) propôs “o pagamento voluntário pelas empresas do 15.º mês, até ao limite do salário base auferido pelo trabalhador”, isento de impostos e contribuições. Em reação, Mariana Mortágua, líder do Bloco de Esquerda, disse que essa medida “põe em causa a Segurança Social”.
“Um 15.º mês que não paga Segurança Social e impostos não só põe em causa a Segurança Social, que é um direito dos trabalhadores e uma conquista da democracia, como na realidade, depois, vale menos do que o aumento que os patrões deveriam fazer por lei para acompanhar a inflação”, afirmou Mariana Mortágua, deputada e líder do Bloco de Esquerda, no dia 26 de setembro.
Referia-se à proposta da Confederação Empresarial de Portugal (CIP) para o pagamento de um 15.º mês de salário isento de contribuições e impostos, classificando essa medida como “um engodo” e uma “ofensa” para os trabalhadores.
É verdade que “põe em causa a Segurança Social”?
Começando pela proposta da CIP e no que consiste este pagamento de um 15.º mês. De acordo com o documento a que o Polígrafo teve acesso, o Pacto Social apresenta 30 medidas que se subdividem em três eixos: crescimento da economia, o rendimento dos trabalhadores e a simplificação administrativa.
A medida relativa ao 15.º mês é exposta no eixo do rendimento dos trabalhadores e propõe “o pagamento voluntário pelas empresas do 15.º mês, até ao limite do salário base auferido pelo trabalhador, sem incidência de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) e exclusão da base de incidência contributiva em sede de Segurança Social”.
Em declarações ao Polígrafo, Rafael Rocha, diretor-geral da CIP, assegura que “o 15.º mês proposto pela CIP não tem qualquer impacto nas atuais contas da Segurança Social porque simplesmente hoje não existe 15.º mês. Ou seja, a medida, a avançar, não retirará um cêntimo à Segurança Social”.
Para esclarecer se esta medida coloca ou não em causa a Segurança Social, o Polígrafo contactou três especialistas: João Duque, economista e professor catedrático no Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG); Filipe Grilo, economista da Porto Business School; e Luís Leon, fiscalista e co-fundador da consultora Ilya.
“Isso só faz sentido se o 15.º mês contar para a base de cálculo das pensões e não houver contribuição para a pensão, então aí punha em causa a Segurança Social, mas penso que não é isso que está na proposta da CIP. O que está na proposta é isto não fazer parte da base sobre a qual se calcula as pensões, mas isto acontece com outros rendimentos. Há rendimentos que estão isentos e depois não são contabilizados para efeitos do cálculo da reforma. Portanto, isto não toca em nada na sustentabilidade da Segurança Social”, considera João Duque.
O economista refere ainda que, tal como há outros “subsídios que não fazem parte da base sobre a qual se calculam as pensões”, o mesmo acontece com esta medida e, nesse sentido, não afetam a sustentabilidade da Segurança Social.
Filipe Grilo começa por apontar no mesmo sentido: “Se formos a olhar do ponto de vista ingénuo, que é o que os patrões falaram, como estamos a comparar uma situação em que não há aumento com uma situação em que há aumento, de facto a Segurança Social não está a ser prejudicada porque não havia dinheiro a ir para a Segurança Social.”
Por outro lado, não deixa de ressalvar que “se os patrões têm margem para subir os salários e darem este 15.º mês, então, parte desse dinheiro deveria ir para a Segurança Social, portanto está a ficar sem esse dinheiro”. No entanto, considera que “pode tirar dinheiro, mas colocar em causa a Segurança Social já é outra coisa”.
“Se uma pequena alteração, um pequeno desconto nas contribuições sociais, coloca em causa a Segurança Social é porque a própria Segurança Social não está equilibrada como o Governo tem vindo a dizer ao longo dos últimos anos”, sublinha.
Na perspetiva de Luís Leon, “o que a CIP está a dizer é que conseguem pagar um mês inteiro de salário, desde que seja livre de impostos e Segurança Social, porque o meu custo na esfera da empresa corresponde a liquidez direta na esfera do trabalhador”.
“A consequência disto é perda de receita do Estado na medida em que este 15.º mês é um custo da empresa com o qual não paga imposto sobre lucros e na esfera do trabalhador é dinheiro em caixa. Por isso, do lado da entidade patronal há a vantagem de não haver contribuições para a Segurança Social sobre o valor do 15.º mês, do lado do trabalhador há a vantagem de não pagar impostos no imediato. A desvantagem é que este valor como não tem contribuições para a Segurança Social, depois não terá efeito nas prestações sociais”, explica.
Leon admite que “é verdade que não descontar uma parte da remuneração tem impacto nas prestações sociais, mas há um aumento da liquidez imediata das pessoas que só o canalizarão para o consumo se assim o entenderem”. De qualquer modo, garante, isso “não coloca em causa a Segurança Social”.
“Tem de facto impacto numa pensão futura, mas isso também tem qualquer partilha de lucros que uma empresa faça com trabalhadores, é remuneração sujeita a IRS e não tem impacto nas pensões futuras”, reitera Leon.
Para depois concluir: “A sociedade portuguesa nunca debateu se achamos que devemos ou não ter toda a nossa poupança futura canalizada na Segurança Social do Estado e dependermos para as nossas pensões futuras apenas e só de uma única entidade na qual não temos voto na matéria.”
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Avaliação do Polígrafo:
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[Additional Text]:
International Fact-Checking Network
Marta Ferreira