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Universitários têm os olhos postos na Europa. Portugal não paga os sonhos que têm para o futuro

ISEG levou a Frankfurt alunos do Masters in Finance para conhecerem a realidade do centro financeiro europeu. Contacto com instituições, networking e oportunidades de recrutamento marcaram a viagem. O silêncio era quase total no auditório do Banco Central Europeu (BCE), em Frankfurt, Alemanha. Quase 70 alunos do primeiro ano do Masters in Finance (em português, Mestrado em Finanças) do ISEG – Instituto Superior de Economia e Gestão ouviam compenetrados Giuseppe Barillà, o chefe-adjunto do departamento de alterações climáticas do BCE, a expor os riscos a que as economias e os sistemas financeiros estão sujeitos face a fenómenos climáticos extremos. O tema não podia ser mais atual. Por esses dias, Portugal estava a sofrer os efeitos da tempestade Martinho, que causou inúmeros prejuízos um pouco por todo o país. Curiosamente, também na semana em que os alunos do ISEG tomavam, no terreno, conhecimento das instituições financeiras europeias no âmbito do programa de mestrado, o aeroporto londrino de Heathrow esteve 18 horas paralisado devido a um incêndio numa subestação elétrica. O aeroporto mais movimentado da Europa não conseguiu acionar uma resposta imediata para a falha de energia. Nas bolsas, as companhias aéreas tiveram uma sexta-feira negra. A gestão de riscos é uma das cadeiras do Masters in Finance do ISEG. Uma disciplina onde se estuda que as ameaças devem ser antecipadas para evitar danos, sejam operacionais, financeiros ou reputacionais. Tanto o apagão como a tempestade foram situações extraordinárias, mas mais um alerta para o impacto destes incidentes na economia dos países e na atividade das empresas. As seguradoras são um dos centros nevrálgicos deste panorama. E na European Insurance and Occupational Pensions Authority (EIOPA), a entidade supervisora da União Europeia do setor dos seguros e pensões complementares de reforma, com sede em Frankfurt, os jovens académicos foram confrontados com os desafios com que o setor seguradora se defronta, principalmente ao nível das alterações climáticas. A sustentabilidade é o tema que Mariana Baptista, aluna de excelência do ISEG (exibe com orgulho uma média de 17 valores), quer abraçar na sua futura carreira profissional. Esta jovem ambiciona trabalhar na área da Sustainable Finance (em português, finanças sustentáveis), porque “é importante viver, não sobreviver” e para isso é “necessário encontrar um equilíbrio com a Natureza”. A EIOPA é uma das muitas saídas profissionais que Mariana Baptista tem pela frente. A manhã de trabalhos neste supervisor europeu incluiu uma sessão sobre as oportunidades de emprego. Há vários portugueses a trabalhar na EIOPA. Ana Teresa Moutinho, antiga aluna do ISEG, está desde 2012 na instituição. É claro o seu entusiasmo por integrar o organismo, onde hoje ocupa a posição de Head of the Oversight Department (responsável pelo departamento de fiscalização). Ana Teresa Coutinho ingressou na EIOPA por concurso. O seu percurso é um pouco distinto do caminho que os atuais universitários percorrem. Entrou no ISEG para tirar uma licenciatura em Gestão, depois de ter frequentado um curso técnico profissional em gestão e contabilidade. “Esse curso foi excelente e decisivo na minha vida”, sublinha. Somou uma licenciatura, duas pós-graduações, e a experiência de trabalho que começou ainda no 12º ano até chegar ao que hoje afirma, sem hesitações nem melindres, “uma carreira de sucesso”. Com firmeza, desafia os estudantes a candidatarem-se à EIOPA, onde chegam muito poucos currículos portugueses. Frankfurt “é uma ótima cidade para viver, o custo da habitação é semelhante ao de Lisboa, os preços no supermercado são quase iguais e o salário de entrada de um recém licenciado é da ordem dos 4000 euros/mês”. Como frisa, “é ótimo para início de vida”. Pouco futuro E um sol a brilhar é o que todos estes alunos, que durante cinco dias contactaram com a realidade financeira de Frankfurt, procuram. Mas só o antevêem longe de Portugal. Margarida Rodrigues, uma jovem de 24 anos, com licenciatura em Gestão pelo ISEG, está atualmente a estagiar em mercados financeiros no BCE. Margarida foi uma das mais de 400 candidatas ao estágio de um ano no banco central. Conta que o salário é de 1170 euros/mês, a que acresce uma bolsa de alojamento de 750 euros e descontos nos transportes públicos. Em Lisboa, a média salarial para jovens com a sua formação (entretanto somou um mestrado em Gestão, na universidade alemã de Mannheim) ronda os 1400 euros e um quarto ou um estúdio custa 700 ou 800 euros. Margarida Rodrigues tem saudades do sol, da comida e, claro, da família. Se Portugal oferecesse boas condições remuneratórias dificilmente iria para fora, admite. Mas a Alemanha tem “muitas oportunidades na área de finanças”. O BCE “é uma instituição muito reconhecida, abre portas para outros empregos” e também permite “sentir que estou a contribuir para a Europa”, sublinha. No início deste ano, voltaram a abrir as candidaturas para estágios no BCE. Mais de mil candidatos submeteram o curriculum. No BCE, trabalha também a antiga aluna do ISEG Dina Henriques. Foi “a concretização de um sonho, sempre quis trabalhar num organismo europeu”, diz. Para Dina Henriques, o salário não foi a questão fulcral para decidir fazer as malas e partir. “É uma parte importante, que faz a diferença em não querer ir para Portugal”, reconhece, mas não é a única. Servir a Europa é uma das motivações principais. “Quero acreditar que estou a contribuir para o bem europeu”, salienta. No BCE, onde trabalham muitos portugueses, há colegas que poupam para regressar a Portugal. Mas Dina Diniz quer usufruir da oportunidade de estar na Alemanha. Quer viver. Viajar. O poder do FT O mestrado de finanças do ISEG pode abrir a porta destas instituições europeias, mas também de entidades privadas na Europa e em Portugal. Como realça Mariana Baptista, “nunca senti que sairia do ISEG e iria para o desemprego. Em setembro, os meus colegas de licenciatura já estavam todos a trabalhar”. Ainda assim optou por inscrever-se num mestrado, pois “é uma especialização, um aprofundamento dos conhecimentos”. A escolha da na escola recaiu na que conhece, que sempre lhe deu segurança, mas esta opção teve também em conta a classificação do curso no ranking do Financial Times (FT). Na última edição, o Masters of Finance do ISEG ficou no 30º lugar, num universo de 65 escolas internacionais avaliadas. E entre as academias europeias, destacou-se na 25ª posição. É uma distinção que também tem atraído muitos alunos estrangeiros, de origens tão díspares como China, EUA, Itália, Croácia ou Alemanha. Pedro Montenegro, um jovem luso brasileiro formado em Gestão na Universidade Federal do Rio de Janeiro, também valorizou essa classificação quando decidiu frequentar o mestrado. Mas não só. A variável custo/benefício “é atrativa”, diz. João Duque, presidente do ISEG, considera mesmo que “está a preço de saldo”, tendo em conta “a qualidade e a reputação que tem, a capacitação que dá aos alunos” (as propinas estão congeladas por decisão política). O mestrado tem atualmente um custo inferior a oito mil euros. Daniel Ferreira também não escapou à influência do FT. O aluno, licenciado em Gestão pelo ISEG, apostou na frequência do mestrado para adicionar uma mais valia ao currículo, mas decidiu ingressar no mercado de trabalho. Está “a aprender nos dois mundos” para saltar para fora de Portugal. Quer ser auditor de banca e sonha encontrar uma oportunidade na Suíça, Alemanha ou EUA. A questão financeira é o que o move a olhar além fronteiras, diz. Mas “se as coisas corressem muito bem em Portugal eu provavelmente não sairia”. [Additional Text]: O salário de entrada de um recém licenciado na European Insurance and Occupational Pensions Authority ronda os 4000 euros/mês. Sónia Santos Pereira